Criança pequena

O que é escrever direito? É, sem dúvida, escrever o suficiente para que o leitor entenda, com perfeição, o que o autor de um determinado texto escreveu ou falou.

Por questões de economia de tempo e espaço, quem escreve, normalmente, deixa por conta de quem lê muitos aspectos que poderiam facilitar sua interpretação.

Na porta de um supermercado, por exemplo, quem registra a frase “aberto aos domingos” não se incomoda em dizer que o estabelecimento também abre aos domingos.

Ainda que seja possível pensar que o supermercado abre apenas aos domingos e também aos domingos (característica de ambiguidade), não passa pela cabeça do autor a possibilidade de alguém ter um entendimento diferente do que ele deseja produzir.

Uma das razões de isso ocorrer é que a atividade de interpretação está fundamentada também na interação social, ou seja, quem escreve algo é pleno conhecedor do contexto em que está inserido e, por isso, sente-se livre e mais despreocupado ao fazer uso da escrita.

A interpretação, pensada dessa forma, é um exercício de coautoria, pois quem escreve cria um laço muito especial com quem lê, dado que um terá que “entrar” no campo do outro para que a produção de sentido tenha sucesso.

Nisso, o autor, para produzir sentido, se esforça para tentar descobrir os gostos de seus possíveis leitores, o que ocorre, primordialmente, quando ele define seu público-alvo.

Mas essa definição de quem será seus leitores nunca excluirá outros, pois um bom texto terá vida longa e avançará por caminhos praticamente inimagináveis no ponto de vista de quem escreve.

O leitor, por sua vez, não terá menos trabalho para compreender um material escrito e terá, muitas e muitas vezes, que viajar ao passado para desvendar os grandes mistérios de sua leitura.

Com essas considerações, nossos professores não podem mais tratar o texto como um produto acabado, no qual quem lê apenas o visita para pegar uma informação, virar as costas e sair sem olhar para trás, como se estivesse numa loja de departamentos.

Não, o texto escrito não pode mais ter esse tratamento nas nossas escolas, principalmente quando pensamos que, ao longo da história, ele poderá sofrer as mais diferenciadas formas de compreensão.

Um escrito numa determinada época, com o passar dos anos, ganha novos olhares, novas formas de pensá-lo, novas maneiras de utilização.

Mesmo parado ali e aparentemente estático, o texto está em constante movimento, inquieto e inquietando seus leitores de diversas formas em todos os tempos.

Retomando a ideia de viagem, para compreender os reais pensamentos de um autor numa data específica, o professor precisa convidar seus alunos a viajar no tempo, mas isso não acontecerá forçadamente.

Essa viagem só será bem-sucedida se o aluno sentir-se apaixonado, climatizado. Caso contrário, ele não terá nenhuma razão plausível para deixar o presente e ir passear pelo passado.

Para isso, outras leituras podem ajudar o professor em sua missão, que é muito parecida com a propaganda, dado que ele terá que promover o lugar que deseja ter a companhia de seu aluno.

Filmes temáticos, músicas, sites e animações podem contribuir com sua prática, professor, pense nisso.

Pense que, se seu aluno não quiser se debruçar em páginas amareladas de livros antigos, você ainda terá chances de vê-lo envolvido com o clima de uma época se fizer uso da beleza e graça de materiais mais práticos, mais afins ao que ele já está acostumado.

Assim, o aluno poderá sentir-se mais motivado a ir ao passado em busca de uma interpretação mais fiel ao sentido original que um determinado autor tinha em mente ao registrar, por meio da escrita, dados que para ele eram relevantes.

Tenha sempre em mente, todavia, que nada impede que o texto adquira novo sentido para o aluno. Não o impeça, a ressignificação é um processo capaz de produzir grandes e espetaculares aprendizagens a ele.

É fato que ela precisa ser incentivada, mas, quando acontece, ganhas formatos incríveis, pois, na conversa entre o autor e leitor, experiências e conhecimentos são relacionados numa negociação que é particular e específica na vida de quem lê.

Pense nisso, você vai se surpreender!

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