A soma dos repertórios sociais e familiares que a criança traz à escola, de modo geral, influirá no seu comportamento e aprendizado, podendo provocar até mesmo o sucesso ou fracasso do processo educativo. As mais modernas teorias da área, inovadoras, conservadoras ou revolucionárias, reconhecem a importância dessa bagagem, e é nela que se baseia a política de cotas: é justo e necessário nivelar oportunidades de quem conviveu em meio mais propício ao conhecimento, com quem não teve essa facilidade.
Similaridade de códigos representará vantagem educacional num primeiro momento, ser acolhido como igual, falar o mesmo idioma, exibir os sinais exteriores de uma mesma classe social, gostar dos mesmos ídolos, facilita o sentimento de pertencimento do estudante, indicando ao professor uma boa adequação da metodologia de ensino.
No entanto, ao lado desta aparente vantagem, pode haver o reforço de alguns aspectos inconvenientes. A expressão do que Jung chamava Inconsciente Coletivo tem formas variadas, cada povo ou segmento social a manifestando de sua maneira; para conhecermos bem uma população, precisamos saber do que ela ri: as cantigas, ditados, piadas, chistes, gírias, histórias de assombro e maravilhas, nos contam muito da sua alma, seus valores e sua visão de mundo.
Os preconceitos se revelam nas anedotas, o que se fala jocosamente sobre mulheres, negros, estrangeiros, gays, muito ricos, muito pobres, e quaisquer outros não pertencentes ao grupo que fala, ainda que seja declaradamente uma brincadeira, é seriamente uma opinião. Orgulhosos de pertencer a um país inclusivo e acolhedor, temos dificuldade no dia-a-dia de convívio com quem seja ou pareça diferente de nós, pratique outra religião, e até mesmo torça pra outro time(!).
Em ambiente escolar isso se torna particularmente notável, já que crianças e jovens não desenvolveram ainda a discrição e maior contenção verbal que a vida adulta ensina, e manifestam mais claramente as crenças e temores do meio em que vivem.
Sartre definia a criança como um polimorfo cruel, mas, possivelmente, ela é apenas um espelho de sua comunidade, refletindo seus rancores, crueldades e até mesmo qualidades. Dentro do ambiente escolar cada aluno desenvolverá suas narrativas, revelando bastante – não tudo, evidentemente – de sua forma de relacionar-se, dos valores transmitidos pela família e observados no grupo a que agora adere.
Além das histórias partilhadas, brincando revelarão a maneira com que irão compartilhar espaço com os “diferentes”, e, na prática, o real exercício dos direitos humanos, para além do mero discurso, pois rapidamente aprendem que, embora na teoria adultos defendam igualdade e fraternidade, nem sempre agem de forma compatível com estes termos.
A exigência de fazer o que se diz, mas não o que se faz, mais que uma frase feita, é reveladora de uma profunda necessidade de reflexão. Estas dubiedades marcarão profundamente seres em formação, perpetuando os gracejos que, por meio de palavras ou de imagens, expõem a dificuldade que temos de encarar a crua realidade.