Professor Fazendo Uma Pergunta Para A Classe

Ensinamos o tempo todo. Os professores, os pais, os amigos, os inimigos, os estranhos com quem interagimos, enfim, todas as pessoas, de algum modo, ensinam algo. Os profissionais de educação, evidentemente, ensinam com propósitos, objetivos e programas curriculares pré-estabelecidos. Seguem aquilo que foi socialmente definido como importante e de valor, adequado a cada faixa etária e segmento, que seus alunos precisam aprender e que lhes é atribuído, por formação, enquanto docentes, a trabalhar nas escolas, ambiente criado para este fim, ou seja, para que o ensino se realize.

Ainda assim, para muitos professores, o trabalho se resume ao que está previsto no currículo ou grade, nos planejamentos e nos livros didáticos por eles escolhidos para que o conteúdo seja apresentado, apreciado, degustado e sorvido pelos estudantes com os quais irá trabalhar ao longo do ano letivo.

Há, evidentemente, para todos, a clareza quanto ao fato de que seu papel não se restringe ao ensino de matemática, língua portuguesa, geografia, ciências ou afins. O professor sabe que ensina também pelos modelos mentais, atitudes, postura, valores, comportamento, ética e sentimentos que expressa.

Apesar disso, após algum tempo, os professores perdem ou ao menos se distanciam desta consciência quanto aos modelos por ele trazidos e imputados a partir de seu comportamento e pelas ações por ele desenvolvidas, captadas milimetricamente pelos olhares mais atentos de seus alunos, por vezes até mais observadores quanto a esses ensinamentos aparentemente invisíveis do que pelo conteúdo a ser aprendido propriamente dito.

A situação é parecida, por exemplo, com o que ocorre em programas de televisão estruturados no modelo conhecido como reality shows. No início das temporadas os participantes estão mais atentos as câmeras espalhadas pelos locais de gravação e de como devem se comportar para angariar a simpatia do grande público e, com isso, gerar mobilizações a seu favor nas votações populares e permanecer no jogo televisivo. Comportam-se então de forma pertinente com o interesse do show em que se encontram e do perfil da plateia que prestigia o programa. Isso significa, muitas vezes, agir de forma sensata, cordata, educada, prestativa, exprimindo opiniões e valores socialmente aceitos, se comunicando com linguagem adequada, evitando polêmicas… Até que, num determinado momento, variado para cada participante, a presença das câmeras passa a ser ignorada, os filtros sociais se esvanecem, as atitudes mudam e a personalidade real dos envolvidos surge diante de milhões de espectadores…

Na sala de aula, invariavelmente acontece o mesmo, com isso, os professores deixam, muitas vezes, de se importar com aquilo que ensinam nas entrelinhas, ou seja, que está oculto na sua apresentação, no contato cotidiano que têm com seus alunos. O foco maior no conteúdo não pode deixar de existir, mas cabe também ao educador estar atento a elementos como:

  1. Utilizar linguagem adequada, evitando termos chulos e o excesso de gírias, usando vocabulário mais rico e robusto para que seus alunos aprendam novas palavras e as incorporem ao vocabulário. Evitar linguagem rebuscada demais, pretensiosa, que pretende indicar “maior sabedoria” ou “inteligência” por parte do docente, pois isso acaba criando barreiras na relação com os alunos.
  2. Relacionar-se sempre com educação, de modo ponderado, percebendo que o seu papel social infere também demonstrar que, apesar de termos ideias, posicionamentos e posturas diferentes em relação a muitas coisas, o respeito deve nortear nossas interações.
  3. Costumo sempre dizer que uma de nossas maiores riquezas é a diversidade e que, em assim sendo, o professor precisa aprender a ouvir, apreciar, permitir ao outro a participação, não monopolizar as ações. A escutatória, segundo Rubem Alves, que cunhou o termo, é algo que não ensinamos na escola, pelo contrário, queremos sempre ganhar no grito, comandar a conversa, ter nossa palavra como aquela que é final ou definitiva…
  4. Olhar as pessoas nos olhos sempre que estivermos falando com elas, em sinal de respeito, de consideração, não desviando a atenção para nenhum outro elemento, como muitas vezes as pessoas fazem hoje em dia, por exemplo, com telefones celulares. Isso é importante tanto para quem fala quanto para quem se direcionam as palavras. É algo que deve ser realizado em relação a todas as pessoas, das mais simples as mais importantes, do dono da empresa aos funcionários da limpeza, por exemplo.
  5. Evitar piadas ou histórias preconceituosas ou expor a privacidade alheia. É possível ser engraçado sem ser apelativo. Por vezes, para gerar empatia entre os alunos, os professores se permitem contar piadas preconceituosas, contar casos ou histórias inadequadas ao contexto, expor a privacidade da sala dos professores, expor colegas ou funcionários.
  6. Mesmo quando o momento não é bom, quando alguma coisa pessoal afeta o seu humor, o professor precisa manter a compostura e evitar que tais fatos afetem sua relação com os alunos. Por vezes, os docentes acabam ficando mais tensos e, com isso, tem atitudes pouco condizentes, por vezes alterando sua voz, agindo de modo grosseiro e rude. Todos passam por momentos ruins, e os professores não são exceção, no entanto, no ambiente profissional o ideal é que o estresse seja evitado.
  7. A vida pessoal do docente não deve ser exposta na sala de aula com os alunos. É primordial manter a privacidade. Tal ação deve também se estender as redes sociais, onde em suas páginas pessoais o ideal é não abrir para questões de trabalho. O uso da internet para fins profissionais deve ocorrer por redes criadas pela escola e de acordo com os conformes preconizados por estas instituições, para se evitar, até mesmo, problemas jurídicos.
  8. O professor precisa ser um vetor de cultura, uma referência, aquela pessoa associada pelos alunos a leitura, ao estudo, a ida a museus, a frequência em cinemas e teatros, que é apreciador de boa música e que pratica o que prega, ou seja, a necessidade da aprendizagem permanente.
  9. Opiniões políticas constituem tema controverso na sala de aula. Todos têm preferências e opções, opiniões e críticas, no entanto, na escola o que se busca é oferecer alternativas várias e não ideologizar o discurso. O professor pode, até mesmo, após apresentar as variáveis da forma mais neutra possível, afirmar seus posicionamentos, no entanto, “fazer a cabeça” dos alunos é algo que não deve acontecer de forma proposital, como objetivo das ações didáticas. Caso ocorra por outros motivos, relacionados a consciência dos alunos ou pela simpatia e confiança que possuem no docente, é mais do que aceitável.

Atuar de forma ética, comprometida, cidadão, com correção no trato com os alunos, funcionários, pais ou responsáveis e colaboradores da escola é algo básico, que deve estar sempre nas entrelinhas do trabalho de todo e qualquer profissional, em especial para quem trabalha em educação, área em que ensinar é algo inerente a todas as ações, tanto as previstas e demandadas, quanto aquelas não observáveis de imediato, aparentemente invisíveis. Não se espera a perfeição, mas que, acima de tudo, a dignidade da profissão transpareça e que, com isso, o ensinamento transcenda o saber mais imediato.

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