casal indiano se beijando

Tentaram durante muito tempo “vender” essa ideia, ou melhor, literalmente, queriam nos fazer engolir a tese que dava para norte-americanos e europeus a primazia do grande cinema, aquele que merece bilheterias e reconhecimento de público e crítica, especialmente a escola hollywoodiana. 

Efeito colateral da globalização, não previsto pelos seus principais articuladores (se é que há alguém capaz de pensar e fomentar um movimento como esse), a abertura dos mercados têm permitido, num efeito comparável a mercadológica Cauda Longa (ou nele incluído), a cultura mais maleável e aberta a influências que vem de outras partes do mundo, deslocando-se daquele centro exclusivista e monopolista controlado pelos EUA e Europa.

Não há ranço nessa minha colocação, pelo contrário, nunca deixei de admirar os belos e importantes trabalhos culturais provenientes do Velho Mundo e da terra do Tio Sam. Mas que a América Latina, o Oriente Médio, a África, o Sudeste Asiático, a China, a Europa Oriental e a Índia estão ganhando espaço, isso é fato. 

Tanto é que, no ano de 2009, o Oscar de melhor filme foi concedido a uma produção indiana. Foi a primeira vez que Hollywood reconheceu Bollywood, a meca da produção cinematográfica indiana, mais produtiva que sua equivalente norte-americana. E quem assiste ao filme vencedor capitula, se rende e entende o que estou dizendo nestas linhas iniciais…

“Quem quer ser um milionário?”, dirigido pelo inglês Danny Boyle, nos coloca numa Índia que é, ao mesmo tempo, progresso e miséria. País dividido pelas diferenças culturais e religiosas que, no entanto, como no Brasil, cultiva grande paixão pela televisão e seus programas de auditório. Alguns deles podem levar anônimos a fama em poucos episódios, fazendo com que não apenas se tornem celebridades instantâneas como também milionários do dia para a noite.

 

 

É o caso do show televisivo “Quem quer ser um milionário?” que tem como competidor um jovem indiano pobre e semialfabetizado chamado Jamal Malik (Dev Patel). Mas o filme surpreende desde o seu início ao deslocar, constantemente, a trama do programa de TV para uma delegacia de polícia, onde o mesmo Jamal está sendo interrogado e torturado. Ninguém consegue entender, entre os produtores do programa em que o jovem participa, como ele, muito menos preparado para a maratona de perguntas que alguns de seus antecessores, está conseguindo chegar próximo do prêmio máximo.

Desconfia-se que há uma fraude acontecendo e, por conta disso, Jamal é preso às escondidas, antes do final de sua maratona televisiva no programa que poderá lhe fazer milionário num país de miseráveis, como ele mesmo. 

Entre as imagens da tortura, que nos trazem as reminiscências de um país subdesenvolvido, dos cárceres sujos, com policiais e militares truculentos, a violência descabida e até os choques elétricos, alternadas com o estúdio de televisão impecável, o auditório cheio e vibrante, o apresentador engomado e sorridente (que torce na frente das câmeras por Jamal e ao mesmo tempo quer sabotá-lo para que não ganhe o prêmio e lhe roube os holofotes midiáticos), viajamos no tempo e vamos entender como e porque o garoto pobre, discriminado, morador de rua conseguiu chegar ali e estar vencendo as perguntas uma a uma.

E a beleza do filme então se apresenta realmente aos olhos do espectador. Beleza amarga é certo, com imagens que misturam situações cotidianas trágicas com a comicidade própria da vida e que tantas vezes deixamos de perceber. Há drama e comédia, lágrimas e poesia. A trajetória de Jamal, desde menino, se embaralha diante de nossos olhos com a atualidade, trazendo a tela seu irmão Salim (Madhur Mittal) e a menina Latika (Freida Pinto), que o acompanharão até o momento do programa, como cúmplices e/ou carrascos…

Mais do que o triunfo do filme no Oscar, “Quem quer ser um milionário?” traz a tona recortes desse século XXI, em que países como a Índia e o Brasil alimentam a esperança de um futuro melhor, bancados por capital estrangeiro volátil ou por programas sociais populistas a embalar os sonhos, mas ainda povoados por bolsões de miséria, violência, crescimento desordenado, corrupção e tantos outros problemas. O próprio título é emblemático e explicativo daquilo que estamos vendo e vivendo nos dias atuais: Ao mesmo tempo em que as oportunidades existem e os indianos e brasileiros estão tentando aproveitá-las, como Jamal no filme, agindo com dignidade e decência, há pessoas que tentam lhes tirar o norte, deslocando sua rota e não permitindo que cheguem ao pote de ouro no final do arco-íris… Emocionante e imperdível! Um grande filme!

Obs: “Quem quer ser um milionário?” apresenta ainda uma belíssima história de amor envolvendo Jamal e Latika desde que se conhecem, ainda crianças, foco de desilusões, separações, dores, redenções e buscas ao longo de todo o filme. Além disso tem uma trilha sonora diferenciada e envolvente. Confiram!

 

 

Para Refletir

1- Países como a Índia e o Brasil estão entre os mais populosos do mundo e, também, entre aqueles que apresentam maior extensão territorial. O que os aproxima e o que os separa além das semelhanças de caráter geográfico? O que lhes permite sonhar com maior prosperidade e justiça social? Como fazer com a Índia supere as divergências internas, de caráter étnico e religioso, e se torne um país em que a pobreza seja deixada para trás?

2- Ao assistir “Quem quer ser um milionário?” percebemos a força da televisão num país de dimensões continentais a influenciar o comportamento individual e coletivo. É possível traçar paralelos entre o que ocorre no filme e a realidade brasileira? Em se pensando nas mudanças ocorridas nos últimos anos, que estão modificando a forma como as pessoas assistem televisão, migrando da transmissão convencional para o streaming, o processo de influência dos produtores de filmes, novelas, reality shows, telejornais e outras realizações continua o mesmo ou se modifica?

3- O personagem Jamal, proveniente das ruas miseráveis da Índia se torna uma celebridade nacional e pode se tornar um milionário da noite para o dia. Como a mídia televisiva transforma a vida das pessoas, fazendo-as passar de anônimos para pessoas conhecidas por todos e que consequências isso traz para a vida destas pessoas? Já parou e pensou a respeito disso? Consegue se lembrar de casos assim ocorridos no Brasil?

 

 

Veja o trailer do filme:

 

Ficha Técnica

  • Título: Quem quer ser um milionário?
  • Título original: Slumdog Millionaire
  • País/Ano: EUA/Inglaterra, 2009
  • Duração: 120 minutos
  • Gênero: Comédia Romântica, Romance
  • Direção: Danny Boyle
  • Roteiro: Simon Beaufoy
  • Elenco: Dev Patel, Freida Pinto, Anil Kapoor, Uday Chopra, Irrfan Khan, Tanay Chheda.

 

Informações

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