– Tudo está à venda.
– Não há nada que não tenha preço.
As afirmações do chefe na reunião ainda ecoavam na cabeça de Guilherme. Faziam total sentido. Para ele, homem de vendas, sempre em busca de resultados, com metas sendo perseguidas, o mundo era o limite
Sua amiga Carolina, no entanto, deixara a reunião aturdida. Pensar como o Paulo, o diretor do departamento, era um tanto difícil para ela, moça do interior, vinda de cidade pequena, na qual as pessoas pertencem a famílias estabelecidas por lá há tempos e que se relacionam por sangue ou amizade, ainda que existam laços comerciais a aproximá-los no cotidiano.
Saíram conversando. Guilherme exaltando o chefe que tanto admirava e querendo chegar lá, ou seja, vender muito para ocupar cargos melhores na hierarquia da empresa, quem sabe ocupar a cadeira de Paulo dentro de poucos anos, quem sabe no máximo em uma década.
Carol, como era chamada pelos colegas de trabalho, tinha certamente vontade de prosperar no emprego, mas pensava também em viajar, estudar mais, encontrar alguém com quem pudesse formar família…
– Não acho que tudo esteja à venda – em meio aos elogios de Guilherme ao discurso do chefe.
– Como não Carol. Pense bem, o tempo todo estamos vendendo algo, tentando fazer com que alguém compre um produto, serviço ou mesmo uma ideia – respondeu o amigo.
– Você pode comprar amor ou amizade? – Devolveu a jovem.
– Com uma conta bancária em que dinheiro não seja problema, creio que é possível – respondeu Guilherme.
– As pessoas estariam se aproximando de você pelo seu dinheiro e não por quem você é, por sua amizade, com vínculos sinceros. Há muitos casos de mulheres que chegam mesmo a casar com homens ricos em virtude de suas fortunas.
– Eu não me importaria com isso, o amor é um bem volátil, negociável. Daria um cartão de crédito sem limites para a mulher que escolhesse, mesmo que ela não gostasse muito de mim. O custo benefício faria valer a pena o investimento.
– Então é assim que você vê um relacionamento Guilherme? Como um investimento? Ainda bem que somos somente amigos…
– Repito que com dinheiro no banco é possível comprar qualquer coisa.
– Talvez você e o Paulo estejam certos. Comprar é possível, mas que experiência de fato lhes restaria depois. No caso de um matrimônio em que você de fato tivesse “comprado” sua esposa, o que lhe garantiria a fidelidade total dela e a sinceridade na relação? Você acha que seria possível manter um casamento por anos e anos somente dando em retorno compras semanais no shopping e viagens nas férias para hotéis de luxo?
– E quem disse que temos que ter casamentos que durem longos anos. Depois de algum tempo cansa. O melhor é separar mesmo. Cada um vai tocar sua vida e tudo recomeça. Trocam-se os parceiros e a alegria continua. Talvez seja melhor nem ter filhos, somente a vida íntima enquanto for interessante para ambos.
– Guilherme, tem ideia do que você está dizendo? Supondo que você esteja certo, o que para mim não acontece, não concordo com seus argumentos, ainda assim você teria pensões para pagar e o tal custo-benefício mencionado iria complicar seus investimentos pois deixaria de existir e em seu lugar, a cada nova companheira, uma conta salgada no final do mês para saldar…
– É Carol, talvez você tenha razão… O melhor mesmo é nem casar!
– Espera aí! Eu não disse isso!
– Não, mas analisando a situação, creio que sairia caro e que, neste sentido, talvez seja melhor evitar os formalismos do casamento. As baladas e os casos rápidos já resolveriam a questão!
– Ou seja, voltamos à estaca zero, você continua acreditando que tudo tem preço, até o amor e a amizade. Afirmo, no entanto, que nestas relações mercantilistas que você descreve pode haver de tudo, menos amor. Assim como o amor, também a amizade verdadeira não percebo como produto à venda.
– Chame a turma para andar em seu iate no final de semana ou leve-os para passear num hotel bacana com tudo pago por você. Entre num restaurante ou bar da moda e pague a conta para seus “chegados”. Quantos amigos você terá? Todos que quiser.
– Menos aqueles que realmente interessam, os sinceros e que se preocupam com você. As pessoas têm que gostar de você pelo que você é, não pelo que tem, por sua conta bancária, pelo que pode pagar para elas…
– Carol, você é uma sonhadora. Este mundo não existe mais. Somente naquela cidadezinha de onde veio, se é que por lá ainda prevaleçam relações que não são reguladas pelo dinheiro.
– Guilherme, quando você morrer, depois desta vida cheia de luxos, iates, hotéis, viagens, limusines e tudo mais, não tendo herdeiros legítimos, somente as amantes que passaram por sua vida, para quem vai toda a sua fortuna hipotética? E quem irá estar de fato ao seu lado durante toda a vida senão aqueles a quem pagou por isso, sem carinho, sem proximidade e sem sentimento, apenas movidos pelo vil metal? É muito vazia esta vida…
– Carol, você não vai me convencer e nem tampouco espero mudar sua cabeça então, vamos para a vida e veremos o que irá acontecer, não é mesmo?
Anos depois Guilherme se tornou o diretor da grande empresa em que trabalhava. Para isso, aos poucos, foi puxando o tapete de seus competidores pela vaga, até mesmo do admirado chefe de outrora, o seu Paulo, a quem conseguiu aposentar precocemente. Chegou mesmo a se casar, ter filhos, mas não tinha tempo para a família, vindo a se divorciar depois de algum tempo. Trabalhava incansavelmente, suas metas eram sempre renovadas, não tinha fim o horizonte de crescimento da empresa e sua conta bancária prosperava. Tentava achar algum sentido real ou se confortar naquela vida com benesses materiais. Morava numa mansão, tinha carros importados, se vestia com roupas de grife, frequentava os melhores bares e restaurantes, viajava sempre que a agenda da empresa lhe permitia. Sua vida era o que sonhara, mesmo com a pensão que pagava a ex-mulher e a distância que mantinha dos filhos, que somente o procuravam para conseguir mais dinheiro – “e o carinho, o sentimento, o amor pelo pai?” – Costumava pensar quando isso acontecia. Aos 52 anos, nesse ir e vir, a caminho de mais um negócio a concluir, teve um ataque cardíaco no banco de trás do carrão com motorista que o conduzia. O chofer nem percebeu, achou que o chefe tinha cochilado um pouco, quando chegaram ao hotel onde aconteceria a reunião é que se deu conta da morte do patrão. O enterro foi evento pouco concorrido, somente algumas poucas pessoas apareceram por lá. As que estiveram no funeral pareciam estar cumprindo tabela, ou seja, foram apenas para constar. Quem sabe algum dinheiro da conta do falecido pudesse lhes beneficiar, afinal, tudo tem seu preço, não é mesmo?
Carolina saiu da firma e decidiu ir atrás de seus sonhos. Percebeu que aquela correria atrás de metas sem fim não era o que queria. Sua formação era em administração, mas voltou aos estudos e foi fazer pedagogia, queria dar aulas para crianças, cuidar dos pequenos. Terminou o curso, se especializou, entrou em escolas da cidade em que havia nascido e na qual tinha morado durante toda a infância e adolescência, antes de ir a metrópole para estudar na universidade. Conheceu o Fábio, moço de boa família, que tinha se mudado para sua cidade e que trabalhava no hospital da cidade como pediatra. Depois de algum tempo decidiram se casar. Tiveram 2 filhos, criados dentro de uma realidade de classe média, com conforto, mas sem luxo. Iam a praia nas férias, de vez em quando a restaurantes da cidade, recebiam os amigos em casa, gostavam de pegar um cineminha ou de ir ao teatro quando podiam. Os filhos cresceram, a carreira foi para a frente, Carol se tornou diretora da escola, tendo sempre o respeito de todos. Com a ida dos filhos para a universidade ela e Fábio tem planos de viajar, quem sabe ir a Europa para conhecer cidades como Paris, Roma ou Londres. Continuam recebendo Vitor e Lívia, seus filhos, nos finais de semana, ou quando a agenda deles nos estudos permite. Sonham com os netos, querem fazer algumas reformas na casa, pretendem trocar de carro, tudo dentro do orçamento, é claro. Sua vida modesta, no entanto, não tem preço pelo carinho, amor, sinceridade e amizade que tem entre eles e pelas pessoas com as quais se relacionam…