Imagem de capa do livro “O Tiradentes”

Joaquim José da Silva Xavier, mais conhecido como Tiradentes, foi celebrizado na história do Brasil como um de seus maiores heróis. Todos os anos comemoramos em 21 de abril uma homenagem a este homem, mas será que, de fato, sabemos quem foi ele?

Sua atuação na Inconfidência ou Conjuração Mineira, ocorrida entre 1788 e 1789, é destacada através de textos e imagens que o definem como o participante de origem humilde – comparado aos demais envolvidos, que tinham títulos, terras, formação e dinheiro, como Tomás Antônio Gonzaga ou Cláudio Manoel da Costa, mas que, ainda assim, assumiu a responsabilidade plena pelo movimento rebelde contra a metrópole portuguesa, visando a independência do país.

As pinturas que retratam nosso herói não foram concebidas na época da conjuração, sendo produzidas em outro momento histórico brasileiro, relacionado a causa republicana, já no século XIX, uma das bandeiras dos rebeldes mineiros, entre os quais Tiradentes.

A própria alcunha a ele atribuída nos autos que puniram os rebeldes, onde seu nome foi, na maioria das páginas, substituído pelo apelido relacionado a uma de suas profissões, revela o descaso e a forma como Joaquim José da Silva Xavier foi percebido quando o movimento foi desbaratado pelas autoridades portuguesas. Ser “Tiradentes” tinha uma conotação negativa, relacionada a um trabalho necessário mas reles, bruto, que não exigia formação, ligado mais a perícia e ao conhecimento de algumas técnicas rudimentares, nas quais, diga-se de passagem, nosso herói era muito bom, acima da média, segundo os relatos que chegaram até os dias de hoje.

São estas e muitas outras lacunas relacionadas a Tiradentes, a todos os demais participantes, aos traidores, as autoridades portuguesas e ao contexto daquele período que a obra “O Tiradentes”, de Lucas Figueiredo, lançada pela Companhia das Letras, procura elucidar, num texto muito agradável e interessante, pautado em pesquisa séria e profunda, acessível para público amplo, que tanto agrada estudiosos quanto leigos.

 

Figura 1: As pinturas que retratam Tiradentes com barba e cabelo longo evocam seu martírio e procuram aproximá-lo da imagem de Cristo, tendo sido produzidas muitos anos após sua morte, para destacar valores republicanos.

 

Tive a oportunidade de ler este livro quando realizei viagem a Ouro Preto, Tiradentes, São João Del Rey, Mariana e Congonhas, as cidades históricas mineiras onde boa parte do que é relatado no livro de Lucas Figueiredo aconteceu e, isso foi, certamente, um grande ensejo tanto para a leitura e aprofundamento nestas páginas da história do Brasil quanto chance real de perceber, nas casas, ruas, igrejas, museus e monumentos, o quanto o país oferece em termos de cultura e história para seus cidadãos. Estar em Minas Gerais tendo o livro debaixo do braço foi um privilégio.

Ao passar, por exemplo, pelo Museu da Inconfidência, em Ouro Preto, que a época da Conjuração se chamava Vila Rica, foi possível encontrar documentos históricos preciosíssimos, como o relógio e o livro “Recueil des loix constitutives des colonies angloises” (Coletânea das leis constitucionais dos Estados Unidos), que pertenceram ao alferes Joaquim José da Silva Xavier. O livro foi muito utilizado por ele em suas andanças pelo interior de Minas e também no Rio de Janeiro, como forma de propagar as ideias libertárias de base republicana oriundas das ex-colônias britânicas, livres do jugo e domínio político da Inglaterra. Se os Estados Unidos tinham conseguido, porque o Brasil também não poderia, pensavam Tiradentes e os demais conjurados.

Em “O Tiradentes” conhecemos a vida do protagonista destas páginas de nossa história desde suas origens, com informações sobre seus pais, irmãos e antecedentes até sua condenação e execução.

Sua trajetória pessoal e profissional, destacando seus feitos e realizações como alferes, cargo militar que ocupou durante mais de uma década, com brilho no combate a marginais perigosos que assaltavam e matavam mercadores, fazendeiros e mineradores nas estradas que ligavam a região do ouro a capital do Brasil, o Rio de Janeiro, são descritas com detalhes que nos permitem entrar na história dele e do país de então.

Tiradentes era disciplinado, organizado, corajoso, sabia ler e escrever muito bem apesar de não ter tido educação formal, não sabia ler francês mas tinha um dicionário que o ajudou a ler e reler o Recueil com as leis norte-americanas, conhecia como poucos o interior de Minas e as estradas que ligavam as cidades da região ao Rio e a São Paulo, importante entreposto comercial que abastecia Vila Rica, São João Del Rey e São José Del Rey (atual Tiradentes), entre outras localidades da época.

 

Figura 2: O Museu da Inconfidência, em Ouro Preto/MG, cidade que na época em que Tiradentes viveu se chamava Vila Rica, tem um belíssimo acervo com obras e peças do período, algumas delas tendo pertencido aos conjurados mineiros.

 

É certo que Tiradentes não foi o principal articulador da Conjuração Mineira, no entanto, seu papel foi importante e destacado, além de ser arriscado, pois coube a ele conseguir adesões ao movimento e, neste aspecto, o que lhe era tão peculiar como militar ao longo de sua carreira, ou seja, a discrição, não se efetivou quando propagandeou a causa, o que fez com que se tornasse o principal alvo das acusações e punições. Suas origens simples também fizeram com que ele fosse o “bode expiatório”, ou seja, aquele que pagou o preço mais alto pela sedição contra Portugal.

Rico em detalhes, o livro nos permite conhecer as causas amplas e específicas que fizeram com que o movimento fosse armado por Tiradentes e os demais inconfidentes. A denúncia contra os conspiradores, atribuída a Joaquim Silvério dos Reis, não foi exclusivamente dele, apesar deste participante da conjura ter sido o primeiro a revelar os planos ao Visconde de Barbacena, que atuava na época como “governador” das Minas Gerais. Pelo menos mais 2 denúncias foram feitas e, para que os benefícios desta delação fossem auferidos, até mesmo as datas de cartas e documentos foram alteradas para que Silvério dos Reis fosse o primeiro denunciante.

O contexto da época, marcado por grandes transformações e ideias, como o Iluminismo, a Revolução Industrial inglesa e a independência dos Estados Unidos, certamente contribuiu para que os rebeldes organizassem suas ações e articulassem a derrubada do monopólio comercial e político português no Brasil.

A decadência do reino português, que apesar da imensa fortuna arrecadada com o ouro brasileiro, por não fomentar o desenvolvimento interno, investindo em manufaturas e outras atividades econômicas lucrativas, como a Inglaterra, aliada a loucura da rainha, Dona Maria I e a pouca habilidade política de seus herdeiros e principais assessores, além do arrocho na região da mineração quando os veios auríferos estavam se esgotando, com a derrama e a cobrança de cotas mínimas a serem pagas a Portugal que já não eram mais atingidas pelos mineradores são fatores que igualmente explicam a Inconfidência.

Tiradentes, essa figura ímpar da história brasileira, precisa ser mais conhecido e reconhecido por seus compatriotas. Para tanto, a obra de Lucas Figueiredo é uma contribuição de vulto e valor. Que os ideais republicanos e libertários dos conjurados e, em especial, de Joaquim José da Silva Xavier, que pagou com a vida e foi, então, execrado publicamente após o esquartejamento de seu corpo e a exposição de seus membros em diferentes cidades mineiras, cabendo o exílio aos demais conjurados, inspirem os brasileiros a lutar por um país mais justo, em que reine a honestidade, a ética e a cidadania.

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