A afirmação acima, tem duplo sentido, ao mesmo tempo representando a dádiva da vida, que nos é oferecida como fruto do amor e da paixão entre nossos pais, e também, relacionando tal ideia ao que realmente temos pela frente, ou seja, o momento presente, o agora, o tempo que está diante de cada um de nós quando acordamos, dia após dia, antes da chama se apagar…
Abordar um tema tão rico e complexo como a vida e, ao mesmo tempo, falar sobre a morte, ou seja, sobre o encerramento deste presente de duplo sentido que mencionamos no início deste texto, é algo delicado, precioso, que exige de quem traz à tona tão grandiosos assuntos, muita sensibilidade, cuidado e zelo extremos.
Se a conversa é com crianças, maiores são as preocupações, pensam os adultos, a tentar proteger os pequenos dos dramas da vida e, em especial, do fim da existência que é algo tão certo para todos e cada um de nós…
Quando a Disney/Pixar traz, por meio de uma animação como “Viva – A vida é uma festa”, dos diretores Lee Ankrich e David Molina, produção premiada com o Oscar de Melhor Animação, tais temas à baila, aparentemente tão delicados e difíceis, mas tão presentes e naturais para qualquer ser vivo, em especial da forma como compuseram o enredo, temos que ficar atentos e examinar as possibilidades que nesta obra cinematográfica se encerram.
E, aqui, neste texto, falamos apenas de algumas delas, aparentemente tão próprias ao universo adulto, mas que num desenho animado, são apresentadas para crianças, pré-adolescentes e adolescentes a base da emoção, que faz rir e chorar com as aventuras neste e no outro mundo do menino mexicano Miguel.
Vale destacar que trabalhar a trama no México foi uma excelente escolha, tendo em vista o tradicional “Dia de los Muertos” celebrado naquela nação. Traço de uma cultura católica, num país festivo e alegre como o México, em que a memória dos que se foram é saudada e relembrada com carinho por seus descendentes. Sem o choro, a saudade e a tristeza que em outros países prevalecem, como no caso do próprio Brasil, igualmente de maioria católica e de muitos cultos cristãos, também feliz e afeito a celebrações várias. Ao cruzar a fronteira em direção a nação vizinha, os realizadores norte-americanos da Disney/Pixar fizeram um gol de placa.
Ao mesmo tempo em que utilizam toda esta visão tão própria e única da passagem desta existência para uma outra dimensão sem tornar isso sofrido para o público-alvo, politicamente se mostraram engajados contra a ideia de que um muro entre as duas nações deva ser construído para se interpor entre os dois povos, conforme ideia defendida desde sua eleição pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Afinal de contas, é mais do que natural que tenhamos fronteiras a cruzar nesta nossa existência, seja entre diferentes estados ou países, seja desta vida para outro patamar…
“Viva – A vida é uma festa” é, então, conforme podemos ver, uma produção que nos coloca em contato com barreiras que precisam ser quebradas, auxiliando os adultos a lidar com temas tão delicados quanto a vida e a morte juntamente as crianças, a demonstrar que, no final das contas, estar por aqui é uma dádiva real, ainda que nem tudo seja um mar de rosas, e que, portanto, teremos muitas alegrias e vitórias, assim como, tormentas e mar tempestuoso pela frente, mas que, ainda assim, viver é um grande presente e, morrer, ainda que tenhamos dolorosas perdas a nos abalar e fazer chorar, é algo que devemos encarar com maior naturalidade.
O Filme
Miguel, menino de 12 anos, filho de uma tradicional família mexicana, adora música, mas sofre a resistência de seus pais, avós, tios e demais parentes quanto a esta sua paixão. Numa sociedade como a mexicana, em que os laços familiares são tão fortes, os parentes de Miguel têm resistência a música porque o bisavô do menino, que era cantor e violonista, saiu em turnê e nunca mais retornou, abandonando a todos.
Numa data tão especial quanto o Dia de Los Muertos, em que as famílias celebram seus antepassados, Miguel descobre o túmulo de Ernesto de La Cruz, um de seus ídolos musicais. Dentro deste espaço, além do jazigo, visitado pelos fãs, está exposto o violão e alguns outros pertences do artista. Miguel, que teve seu próprio instrumento quebrado por sua avó, decide então invadir este mausoléu e emprestar o violão que pertencia a Ernesto de La Cruz, para que pudesse, assim, participar de um concurso musical que estava acontecendo no Dia dos Mortos em sua cidade.
Ele então é descoberto e foge, com o violão, que magicamente se torna o seu passaporte para o mundo dos mortos, onde ele quer encontrar o seu bisavô e depois retornar ao mundo dos vivos.
Nesta sua ida para este espaço onde as pessoas que ali habitam já morreram e continuam por lá apenas porque são lembradas por seus familiares e amigos, Miguel conhece Héctor, já quase desaparecendo daquele universo pois ninguém reza e se lembra dele.
Héctor é o personagem que levará o menino ao encontro de Ernesto de La Cruz, o famoso e admirado músico, que talvez seja o bisavô de Miguel… Será? E como o pequeno aspirante a cantor fará para retornar ao mundo dos vivos?
Envolvente e divertida animação da Disney/Pixar, “Viva – A vida é uma festa”, tem ainda uma bonita trilha musical, igualmente premiada, um roteiro bem costurado e muitas emoções para quem assiste o filme.
Para refletir
Um dos principais elementos do filme se relaciona a paixão de Miguel, o protagonista, pela música e, ao mesmo tempo, a rejeição de sua família em relação a esta arte. A música popular, pela qual o menino tem grande apreço, é uma clara e importante demonstração da cultura de seu país, o que acontece em todas as nações. O Brasil, por exemplo, teve ao longo de sua história, o surgimento de diferentes movimentos, a influência de várias etnias, o aparecimento de ícones da música como músicos e compositores renomados e, com tudo isso, tornou-se até referência mundial por seus ritmos, canções e grandes expoentes. Que tal trabalhar a história da música no Brasil, criando linhas do tempo, estimulando o resgate de artistas e canções?
A morte é um tema difícil para adultos e pouco trabalhado nas escolas. A distância que procuramos guardar torna menos natural para nossos alunos a compreensão deste fenômeno que faz parte da trajetória de todos os seres vivos. Como trabalhar a morte na escola? Que tal por meio da literatura, trazendo obras que retratem de diferentes formas este acontecimento, em diferentes países e culturas? O que acham de trabalhar cientificamente o significado da morte?
Celebrar a vida é algo que fazemos quando adultos e que, tantas vezes, deixamos de fazer e destacar juntamente as crianças e adolescentes. Esta celebração, que precisa ser mais frequente, deve demonstrar para todos o que significa estar aqui, levando-nos a pensar porque estamos vivos, o que já fizemos de nossas vidas, que caminhos queremos seguir, qual legado gostaríamos de deixar para quem vem depois de nós… Que tal criar algum dia para celebrar a vida e, com apoio da filosofia e da música, por exemplo, fazer deste dia algo que inspire as pessoas a valorizar mais o simples fato de estarem vivas?
Veja o trailer do filme:
Ficha Técnica
- Título: Viva: A vida é uma festa
- Título original: Coco
- País/Ano: EUA, 2017
- Duração: 105 minutos
- Gênero: Animação
- Direção: Lee Ankrich e David Molina
- Roteiro: Lee Ankrich e David Molina
- Elenco: Anthony Gonzales, Benjamin Bratt, Gael Garcia Bernal, Edward James Olmos, Alanna Ubach, Jaime Camil, Luis Valdez, Selene Luna.