O aluno deve aprender a interrogar, explorar e interpretar o ambiente em que vive na escola de 1° Grau. O professor deve aproveitar esse interesse espontâneo do aluno e trazer para a sala de aula a postura de quem faz ciência, ou seja, não ter todas as respostas prontas, mas apresentar disponibilidade intelectual para a busca de alternativas, das respostas possíveis ou do encaminhamento das soluções. (PEREIRA, 2006, p.30)
O menino já havia sentido medo de ir à escola. Ouvira histórias terríveis a respeito de professores que gritavam, colocavam de castigo, humilhavam e até mesmo agrediam seus estudantes. E o pior, tudo isso diante dos demais alunos da classe. Não queria passar por situações constrangedoras como as que alguns de seus colegas haviam lhe relatado. Isso já era, no entanto, parte de seu passado. A mãe lhe obrigara a ir à escola e, apesar de pequenos contratempos em seus primeiros dias naquele novo ambiente, as tenebrosas imagens que haviam povoado seu imaginário de menino de oito anos acerca de professores malvados que batiam em seus alunos, encontrara a doce e terna figura de um “abuelo” a lhe explicar coisas que tornavam sua existência muito mais interessante do que se ficasse em sua casa. A Espanha passava por uma época difícil, caracterizada por uma ditadura e, certamente não se estimulava a liberdade de expressão ou qualquer tipo de manifestação que contestasse a ordem e os princípios dominantes. Mas aquele professor… era diferente de tudo o que escutara o menino.
Ele demonstrava grande paciência com os alunos, tinha ainda energia para reverter situações complicadas entre os estudantes, dedicava tempo a leituras saborosas em sala de aula, falava da ciência com naturalidade e procurava explicar o mundo tendo como referência o cotidiano de seus pequenos estudantes. O menino não se esquecia de uma das aulas de ciências em que o professor lhes falara da língua das mariposas.
Ele fizera daquele relato muito mais do que uma simples e formal apresentação de informações científicas. O velho mestre procurara lhes aproximar do assunto criando uma aura de mistério, fazendo algumas comparações e aguçando-lhes os sentidos. Todos demonstraram grande interesse e, ao final daquele relato, pareciam intrigados quanto à existência ou não da tal língua em seres tão minúsculos quanto às mariposas. Para referendar a história que havia contado as crianças a respeito das mariposas, o professor os levou a uma pesquisa de campo. Munidos de uma pequena rede todos se puseram a caminhar por trilhas locais em busca dos insetos que haviam estudado em sala de aula. Quando encontraram formigas, minhocas, borboletas ou abelhas já parecia que estavam realmente em outra dimensão. O mais emocionante de todos os encontros foi, no entanto, com as mariposas…
Tanto quanto algumas gerações de alunos com os quais trabalhei ao longo desses mais de vinte e cinco anos de dedicação à educação, também busquei respostas e alternativas através do contato com outros educadores, pesquisadores, estudiosos e especialistas devotados à compreensão dos fenômenos educacionais. Encontrei respostas prontas em muitos desses diálogos que travei em aulas, leituras, congressos e palestras. Alguns dos educadores com os quais tive a oportunidade de dialogar pareciam sempre muito seguros e convictos quanto às fórmulas e respostas que haviam conseguido atingir.
No entanto, sempre tive algum receio de conceitos e respostas definitivas. Isso me fazia lembrar do filósofo grego Sócrates e dos Sofistas,… Longe de mim qualquer desconfiança quanto aos resultados auferidos e comprovados por todas aquelas pessoas ilustres. Temia apenas que as respostas prontas e acabadas pudessem se mostrar engessadas, paralisantes ou pouco afeitas às mudanças contextuais. Sabia que tudo dependeria essencialmente de releituras e adequações. O que incomodava era a certeza, o conceito absolutizado.
Queria uma escola que fosse mais integrada ao mundo, ao universo dos estudantes, ao cotidiano das ruas, a beleza das artes, a magia das palavras e da literatura, ao encanto do teatro. Sonhava com uma educação que quebrasse paredes, escutasse os alunos, aprendesse com eles, dialogasse com a sociedade. Pensava que o professor tinha que conhecer, saber, mostrar-se preparado e disposto, mas que não abdicasse, em nenhum momento, de aprender, pesquisar e encantar-se com o conhecimento. Como poderia o professor, ao longo de sua existência e prática profissional levar o aluno a se interessar pelo saber se ele mesmo havia perdido o interesse em se aperfeiçoar, crescer, amadurecer e conhecer melhor o mundo em que está inserido.
Não queria que o professor se limitasse a apenas uma ou duas áreas do conhecimento. Imaginava que o diálogo entre as ciências naturais, a matemática, as línguas e as ciências humanas e sociais deveria ser constante. O intercâmbio entre os saberes provenientes de todas essas prodigiosas aventuras humanas deveria acontecer o tempo todo, sem escalas, sem impedimentos e sem qualquer barreira. Queria aulas em que a leitura de Machado de Assis nos ensinasse sobre o século XIX e que nos fizesse ir às ruas para capturar a essência daquele Brasil em pleno terceiro milênio. Pensava nos cadernos de Darwin ou nos sonhos de Einstein a embalar as aulas de física, química e matemática (todas ao mesmo tempo), dando prosa, verso e poesia aos conceitos e fórmulas. Pensava e realizava o ir e vir da escola sem paredes e sem carteiras.
Com os estudantes se sentando no chão, com lápis de cor, canetinhas, cartolinas, papel, cola, tesoura e outros apetrechos para desenhar, fazer mosaicos, criar jogos de tabuleiro, bolar roteiros de rádio-novelas ou estruturar jornais e revistas em que a escola se ligaria ao mundo e vice-versa. Imaginava que a aula em que se ensina sobre a língua das mariposas poderia se tornar realidade para mim ou para qualquer um. Sentia a falta de apoio, de retaguarda. Encontrei abrigo e conforto na Interdisciplinaridade.