Estamos celebrando o novembro negro, mês que marca a resistência de Zumbi dos Palmares. É sempre importante frisar que comemorar a luta de Palmares ou o mês da consciência negra é uma questão política em face a desigualdade estrutural e social que vivemos.  

Assim, recorrer a lei 10.639/03 que institui que as escolas abordem as questões relativas à cultura e história Afro-Brasileira e Africana é um caminho para justificar as festas, os cartazes, os eventos que ocorrem de um modo geral neste período.

Contudo, defendemos o argumento de que isto não basta. Não podemos pensar nos povos negros ou na herança dos nossos ancestrais africanos e levantar bandeiras contra preconceito e racismo apenas nos meses de maio e novembro.

Neste sentido, pensar em uma educação antirracista é pensar em uma luta cotidiana. É refletir, problematizar e principalmente partir de um posicionamento ético-político no contexto social que se construiu sob estrutura advinda da escravidão por mais de três séculos, que fixou uma desigualdade de classe/raça/etnia e espacial que se mantem com poucas mudanças e atravessa o ambiente escolar.

O pensamento colonial ainda impera em nossa educação. A colonialidade do saber, como nos ensina Maldonado Torres, seleciona os conhecimentos que reforçam uma hierárquica do saber-poder fechada ao Outro – afrodescendente e povos originários – ainda desafia as várias políticas públicas afirmativas, mas ao mesmo tempo permitem vislumbrar novas perspectivas como aquelas  presentes no livro Caminhos para uma  Educação antirracista: teorias e práticas (2023).

Por sinal, a palavra teoria significa olhar através de, então é na abertura irrestrita ao Outro que podemos ver que as reformas educacionais até o momento foram insuficientes para possibilitar este caminho.  

Com isso, deixando sob a “nova” roupagem a homogeneização simbólica de “habilidades específicas” com vários numerais, o mesmo pensamento único que submetem os/as educandos/as a uma constante violência simbólica na aprendizagem que quase sempre implicam em um fracasso programado para aqueles/as que tem sido historicamente humilhados e invisibilizados no campo da educação, que deveria ser uma prática da liberdade e da esperança (Paulo Freire), como foi Palmares.

Por este caminhar, a proposta prática central que nos move neste texto é convocar professores/as para trazer pessoas e histórias de negros e negras no seu fazer cotidiano.  Que tragam vivências, experiências, histórias, literaturas, imagens outras para se mesclarem e desestabilizarem aquelas que cotidianamente os currículos nos apresentam.

Com isso, valorizar a representatividade negra em nosso país significa buscar romper com a visão colonizadora historicamente construída com estereótipos que marginalizam e segregam corpos negros. Defendemos o argumento de que esta ação no fazer cotidiano escolar é mais do que um direito é um reconhecimento de lutas por reparações históricas.

Acreditamos que marcar a presença do povo negro nos diversos espaços sociais e mostrar para as novas gerações de jovens que é possível caminhar e trabalhar para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária é um importante passo para a luta antirracista.

Por outro lado, a partir de um simples olhar no cotidiano, no encontro de culturas presentes na escola podemos sentir a presença africana. Assim, para incorporá-las ao nosso currículo basta apenas interesse e sensibilidade de cada professor/a, independente da disciplina que leciona.

As danças de nossos/as estudantes: o samba, o funk, os movimentos de braços e quadris do tiktok; os cabelos, as tranças, os jogos e as brincadeiras, muitas comidas servidas no refeitório ou vendidas nas cantinas, as cores exuberantes, o modo de falar e principalmente o Axé nos encontros, podem nos dizer muito da herança africana e ser incorporados ao currículo escolar.

É sempre importante reforçar: para além da Base Nacional Comum Curricular ou de outros documentos que regem a Educação Nacional, cada escola possui seu currículo.

O currículo é vivo e se constrói no dia a dia. A escola é autônoma e as escolhas dependem de sua comunidade. Assim, prezados/as professores/as e comunidade escolar cabe única e exclusivamente a cada um de nós manter viva e valorizada a cultura e herança africana em nossas escolas.

Com isso, certamente, se o tema aparecer em provas e concursos nossos/as alunos/as terão argumentos suficientes para escrever sobre o tema.

João José do Nascimento é Mestre em Filosofia e especialista em Ensino de História da África.

Paulo Melgaço da Silva Junior é doutor em Educação e professor de Arte na Secretaria Municipal de Educação de Duque de Caxias. 

São autores do livro “Caminhos Para Uma Educação Antirracista. Teorias e práticas docentes” (Wak Editora).

Informações

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