“A tolerância é a mais difícil das disciplinas”. A frase, atribuída a Buda, resume bem um problema que acompanha a humanidade há séculos, inclusive no universo das religiões.
Provavelmente, neste exato momento, conflitos religiosos estão ocorrendo em diversas partes do mundo. Muçulmanos contra cristãos, cristãos contra muçulmanos, hindus contra budistas, muçulmanos contra hindus, discussões entre igrejas e seitas, atentados terroristas em países ricos e pobres, e por aí vai. Registre-se ainda que existem hoje milhares de religiões e se considerarmos todas as denominações, filosofias de vida e seitas, esse número ultrapassa dezenas de milhares. É, o universo das religiões é complexo e sempre foi um tema complicado de se abordar.
Todavia, é preciso conversarmos mais para entender o outro e com o conhecimento adquirido desenvolver a tolerância para melhorarmos o mundo e nossas vidas.
Mas depois dos exemplos acima, dá pra falar em diálogo inter-religioso? Penso que sim.
Há algumas semanas o assunto foi lembrado pela maioria dos veículos de comunicação por conta da celebração do Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, em 21 de janeiro. E na semana passada, entre os dias 01 e 07 de fevereiro, foi comemorada a Semana Mundial da Harmonia Inter-religiosa, data criada pela ONU há alguns anos com o intuito de estimular o debate público sobre a importância do diálogo inter-religioso em todo o mundo.
A grande imprensa não destacou especificamente esta última data, mas nem por isso deixou de voltar ao tema, que permanece na mídia, sobretudo por conta dos recentes eventos envolvendo grupos radicais terroristas, principalmente os que ocorreram na França e na região dominada pelo grupo conhecido como ISIS ou EI (Estado Islâmico), assim como no norte da Nigéria (onde age o grupo Boko Haram, cujo nome traduzido seria algo como “a educação ocidental ou não-islâmica é um pecado”). Em todos os casos, os autores das barbáries mencionam a religião e a fé como justificativa de seus atos, citando passagens do Alcorão (livro sagrado dos muçulmanos) de forma equivocada, fora de contexto e com distorções a fim de justificar seus crimes.
Deveria ser óbvio, mas talvez seja importante destacar mais uma vez que a imensa maioria dos muçulmanos condenou de forma veemente todos os ataques feitos por terroristas que se intitulam seguidores do Islamismo e que dizem querer impor sua fé e religião sobre todos os povos. Interessante notar que no próprio Alcorão encontramos a seguinte passagem atribuída a Maomé, fundador do Islamismo: “Não deve haver coerção nos assuntos da fé”.
Trazendo o assunto para nosso país, observa-se que o tema religião aparece bastante no meio político, sendo até protagonista em algumas discussões presentes nas pautas do legislativo em níveis federal, estadual e municipal. Observa-se também que a intolerância religiosa ainda é um problema no Brasil, tanto para religiosos quanto para os que não possuem religião.
Mas o intuito deste artigo não é falar sobre o mau uso da religião, até porque os exemplos bons superam os exemplos ruins. Basta ver os inúmeros projetos e trabalhos desenvolvidos pela maioria das religiões e seus seguidores com grande e positivo impacto social, o que também demonstra que temos muito a ganhar com a união e a tolerância.
Em um momento tão conturbado, nota-se uma necessidade urgente de ampliarmos o diálogo, principalmente dentro das salas de aula, inclusive porque o conhecimento sobre religiões é muito útil num mundo globalizado em que as pessoas viajam cada vez mais para lugares em que valores e modos de viver são diferentes.
As questões sobre a obrigatoriedade ou não do ensino religioso tem aparecido com frequência em discussões públicas. Polêmicas à parte, penso que o mais importante é que os professores aproveitem a oportunidade de levar conhecimento aos alunos de forma imparcial e sem preconceito, destacando que todas as religiões, cada uma a seu modo, exaltam a compaixão, a paz, a sinceridade, a honestidade e a humildade entre outros valores que certamente ninguém contesta como fundamentais para um mundo melhor. Precisamos aumentar nosso conhecimento e combater o preconceito a fim de realmente conseguirmos conviver em harmonia, sem a necessidade de impor nossa “verdade” sobre a “verdade” do outro. Basta focar nos valores já mencionados, incontestáveis em qualquer lugar.
Deveríamos lembrar mais vezes da didática parábola do Bom Samaritano, texto simples, mas repleto de sabedoria. Nele, Jesus demonstra como o próximo e aquilo que se deve fazer ao próximo são conceitos que independem da religião. O texto é conhecido e a regra é simples. Por que não lembrar?
É preciso perceber que o que nos divide é pequeno quando comparado com o que nos une. E num mundo com tantos problemas, ser o dono da razão não deveria ser prioridade.