Da relação do homem, como sujeito conhecedor que é da natureza humana, com os outros sujeitos é que se desencadeará, por meio dos conflitos, que é a sobrevivência cotidiana impõe, surgindo o processo de educação informal que, novamente via linguagem, é o grande responsável pela presença da cultura e pela consolidação da sociedade.
Nos relatos feitos pelos pesquisados, muitos colocam a questão de buscar a escola como meio de ascensão profissional, pois se encontram insatisfeitos com as atividades profissionais que exercem ou estão em busca de uma profissão, aí vem a necessidade de ter o conhecimento. A pesquisa apontou um percentual de 37%, ou seja, quase o mesmo percentual dos alunos que buscam um emprego ou qualificação.
Na pesquisa, não só os percentuais são quase idênticos, mas também os próprios discursos. Ao mesmo tempo em que relatam que precisam de trabalho e qualificação, eles também dizem que precisam ter conhecimento. A exigência do mercado de trabalho não é apenas com uma formação específica, mas de uma escolaridade, isto é, de uma formação genérica.
Quer dizer que a concorrência é tanta que é preciso selecionar de alguma forma o candidato, não por que o trabalho exija esse nível de escolaridade, mas, devido às poucas vagas existentes no mercado, é necessário ter um diferencial que, no caso, são os conhecimentos, um nível de escolaridade compatível e/ou maior que os outros candidatos. Com isso, há maiores possibilidades de se obter melhores empregos/colocação.
Não podemos negar ao aluno o direito ao conhecimento, pois é uma fonte de inclusão social. Ele deve ter acesso e domínio do conhecimento, a fim de poder utilizá-lo não só em situações escolares, mas principalmente em situações extraescolares, seja em sua vida cotidiana, em vestibulares ou cursos. Afinal, como disse um dos pesquisados: “Pode ser que não passe, mas acho que voltando para a escola vou estar mais preparado. A gente não pode perder a esperança, né”?
Há outro grupo de pesquisados que podemos incluir no grupo que tem desejo em aprender, de ir mais além, são os alunos que pretendem continuar estudando após concluir o ensino médio, seja fazendo faculdade, curso técnico ou profissionalizante: “Eu gostaria de fazer uma faculdade…”, “Quero muito terminar o 3º ano e cursar um Faculdade.”, “Fazer uma Faculdade.”, “Graduar na área de negócio.”, “Fazer Faculdade de Enfermagem.”, “O meu sonho é fazer uma Faculdade.”, “Vontade de aprender e fazer uma Faculdade. Trabalhar como Assistente Social.”, “Fazer faculdade de Pedagogia.”, “Pretendo cursar uma Faculdade de Direito.”, “Cursar uma Faculdade de Medicina.”
Ao levantar o perfil dos pesquisados, uma parte dos alunos argumentou que o mercado de trabalho hoje está exigindo a escolaridade, outros têm a intenção de finalmente fazer um curso de graduação, sempre com o objetivo de buscar uma vida melhor. Um dos problemas encontrados na EJA é a baixa autoestima, um sentimento de incapacidade que muitas vezes os domina.
Fonseca (2005) argumenta que no senso comum é normal a descrença em relação à capacidade de aprendizagem do adulto. Para a autora, uma proposta educativa precisa indagar seus alunos sobre suas expectativas, demandas e desejos, para indagar-se a si mesma sobre a sinceridade de sua disposição e a indisponibilidade de suas condições para atendê-las ou com elas negociar com o aluno participando do planejamento do seu próprio aprendizado, tendo a fornecer seu desenvolvimento e, consequentemente, sua autoestima.
Freire ainda coloca que ensinar exige saber escutar, pois é escutando que aprendemos a falar com eles. Afinal, “o educador que escuta aprende a lição de transformar o seu discurso, às vezes necessário, ao aluno, em uma fala com ele” (FREIRE, 1998, p.128). Em um pequeno grupo de pesquisados, 7%, revela-se a entrada e permanência deles sendo incentivados e apoiados pela família: “Incentivos das filhas, após 35 anos, voltei a estudar.”, “Voltei a estudar por incentivo do meu filho.”. A família no contexto tem uma grande importância, pois é por meio dela que conseguimos, na maioria das vezes, superar nossas ansiedades, angústias e expectativas. No enunciado, a expressão “fui incentivada”, ou seja, o uso da voz passiva vem demarcar o apagamento do agente das ações que representam a volta aos estudos.
Esse emprego vem a enfatizar a importância do outro nas falas dos adultos. Em alguns momentos, parece que o outro tem uma autoridade consagrada que parece usar um “certo” apoio externo. Essa condição de paciente e não de agente da ação que é representada pelos verbos chamar e incentivar, a qual é encabeçada pela presença do outro (responsável pela sua entrada e permanência na escola), evidencia o sentido do prêmio. Logo, seria importante incluir a família no processo pedagógico, a fim de manter esse adulto na escola. Desta forma, permitirá conhecer melhor estes alunos para, então, a partir da sua realidade aprofundar e ampliar os seus conhecimentos.
Em suas falas, mostram também que a escola para eles, educandos, não é uma fórmula mágica que vai resolver todos os problemas de suas vidas, pois conhecem a realidade em que estão inseridos. Sabem que o aprendizado que fazem e que necessitam não se dá apenas no espaço formal da escola, científico, mas a prática cotidiana e o saber da experiência vivida também os tornam capazes de realizarem com êxito os seus planos de vida. Não se pode deixar de considerar que a escola se constitui no local privilegiado em que os saberes se constroem e circulam. A supremacia do trabalho intelectual mostra que não há trabalho manual desvinculado do intelectual, esta tradição fica fortemente marcada, conforme depoimentos dos educandos.
Dessa forma, a análise do discurso e o ensino de Jovens e Adultos têm como objetivo mostrar a formação humana, crítica e autônoma dos alunos e, para isso, procura não encarar a Educação de Jovens e Adultos como uma educação compensatória, cujos principais fundamentos são o de recuperação de um tempo de escolaridade perdido no passado. A concepção de Educação de Jovens e Adultos deve levar os educandos à ressignificação dos saberes da Idade Adulta. Nesta perspectiva, é preciso conhecer quem é esse sujeito da EJA, quais são os seus objetivos e estabelecer uma relação mais dinâmica com o entorno social, observar a sua fala, considerando que a juventude e vida adulta são também tempos de aprendizagem. O aluno vivencia a linguagem no seu cotidiano e por vezes em sala de aula fala de outros lugares que não representam o papel tradicional de aluno, principalmente quando se abrem espaços para discussões de temas que surgem pelas diferenças culturais.
Com efeito, podemos entender a complexidade da formação discursiva presente no sujeito EJA. Quando um sujeito muda a sua forma de pensar, buscando melhorias tanto individual quanto para o seus, estamos falando em mudanças significativas que vão refletir em toda a sua vida. Tal mudança transformará determinados conceitos em evolução, na medida em que o sujeito vai se transformando enquanto elemento social. O mundo capitalista de hoje não admite um retrocesso, um sujeito social deve entender que sua fala a partir de um ponto passa a ser uma voz social. Portanto, a análise do Discurso do aluno EJA está preocupada com a linguagem enquanto prática social, criadora de vozes que se proliferam e vão dialogando entre si para suas transformações.
Para Paulo Freire, ensinar não exige rigorosamente uma metodologia, o professor precisa ser criativo, não que ele vá abandonar o método de ensino, mas ele tem que aliar esses dois ingredientes para conseguir um bom resultado no seu trabalho. Outro ponto importante é a pesquisa, pois é fundamental que o professor mantenha-se informado, buscando cada vez mais novos temas e trazendo à sala de aula discussões sobre vários assuntos, sabendo respeitar as críticas, pois o professor não pode se considerar o detentor da verdade ou do conhecimento.
Quando vai para a sala de aula, o educando traz consigo uma bagagem de experiência que não se pode simplesmente ignorar. Discutir as diversidades de ideias é dar chance ao educando de ser ouvido, faz com que aumente a sua autoestima e ajuda o seu progresso. Na sala de aula, o professor é um instrumento que deve passar segurança no que diz e no faz, ele tem que dar e também receber, sendo uma via de mão dupla, tendo a sabedoria de ouvir e ver e sendo humilde em seus atos.
O que é ter bom senso na prática pedagógica? Este termo está relacionado ao professor. Ele precisa ter bom senso sobre as coisas que diz, ou seja, dizer e agir coerentemente, pois às vezes muitos mostram contradição em relação a isto, dizendo e cobrando algo que não há coerência entre seu discurso e suas próprias atitudes. Por exemplo: Pregam a democracia e liberdade, mas impõem suas vontades arrogantes e autoritárias.
É o bom senso que rege todo o trabalho do docente. É necessário ter bom senso para não ser autoritário, para poder respeitar as diferenças, a autonomia, a dignidade e a identidade de cada aluno. Podemos ser críticos, isto é, ter a capacidade de indagar, de comparar, de duvidar, ser curioso, isto nos faz crescer como profissionais e como pessoas.
O bom senso exige uma postura ativa do professor. Se a situação estiver caótica, o que posso fazer para melhorá-la? O respeito com meu aluno é crucial, pois cada um traz uma experiência de casa e nós, professores, precisamos estar atentos às condições sociais, culturais e econômicas em que vivem para, assim, pensar em como ter uma prática educativa que seja satisfatória.
A prática docente é formadora e, por isso, de tamanha responsabilidade. Precisamos lutar face às injustiças, compreendendo o problema e fazer algo para resolvê-lo, constatar o que há de errado e intervir na realidade e não se adaptar a ela. Por que as pessoas se acomodam diante dos problemas? Porque é mais fácil assim, a intervenção implica decisão, escolha…
É possível mudar sejam quais forem às situações. As pessoas precisam se sensibilizar de que aquela situação de opressão em que vivem não é um destino certo, a mudança é possível, é necessária “ação”. As pessoas que fazem parte das legiões de ofendidos que não percebem a razão de ser de sua dor na perversidade do sistema social, econômico e político em que vivem tornam-se coniventes e reforçam o poder do sistema. A leitura do mundo e a leitura da palavra precisam andar juntas e isso é papel fundamental do professor. Como professora que atua na EJA e também como pesquisadora, considero as palavras de Ivani Fazenda:
(…) o processo de gestão e criação do ato de conhecer que perpassa os vários momentos da pesquisa a cada dificuldade superada vejo educadores crescerem, tornando-se identidades – da descrença à crença, da impossibilidade ao possível, do virtual ao real, do sonhado ao construído. (FAZENDA. 1995, p. 13)
Referências
Fazenda, Ivani C.A. Pesquisa em Educação e as Transformações do Conhecimento Ed. Papiros – Campinas SP. 1995.
Fonseca, M.C.F.R. Educação Matemática de Jovens e Adultos – Especificidades, desafios e contribuições: Paz e Terra, 2005.
Freire, Paulo. Educação e Mudanças. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
Pedagogia da Autonomia – Saberes Necessários à prática educativa – 7ª Ed. SP – Paz e Terra – 1998.
Gadotti, M. Organização do Trabalho na Escola: alguns Pressupostos. São Paulo. Ática, 1993.
Kuezer, A. Ensino de 2ª grau – O trabalho como principio educativo. São Paulo: Cortex, 1989.
Paiva, V.P., (1973). Educação popular e educação de adultos. São Paulo: Edições Loyola
Torres, Ana Maria. Educação de Jovens e Adultos. Rio de janeiro: D P & A, 2002.
Jussara Marcolan Camões possui especialização em EJA pelo Instituto cuiabano de Educação (2010). Atualmente é Professora da CEJA – Professor Antonio Cesario de Figueiredo Neto.