O professor chegou em cima da hora para a aula do dia. Na correria de seus afazeres teve que encaixar uma consulta médica. Fora ao oftalmologista para atualizar seus óculos. Sofria de miopia e também tinha hipermetropia. A idade foi piorando a visão. Provas e provas para corrigir e trabalho online foram gerando mais desgaste e fizeram com que seus graus fossem progressivamente aumentando. De um tempo para cá a piora era menor, quase que a estacionar, mas a miopia aumentara um pouco e, por isso, um novo par de óculos seria encomendado.
Ao chegar na sala de aula encontrou seus alunos de 7º ano alvoroçados com a possibilidade de que o professor Francisco pudesse ter faltado. Chico, como era conhecido, era professor de língua portuguesa, daqueles muito bons mesmo, que todos lembram com saudades. Pegava firme na gramática sem se descuidar da leitura e produção textual que, para ele, eram os elementos essenciais para o domínio da linguagem.
Ainda estavam no começo do ano, apenas no segundo mês de aula, num calorento março, daqueles que dão muita preguiça e ocasionam ainda mais conversa e falta de atenção entre os alunos. Muitos profissionais de educação desconsideram a questão do clima tropical, quente, típico do Brasil, como elemento que pouco ajuda na questão disciplinar, mas o professor Chico estava sempre atento a isso e mantinha a sala a mais arejada possível, com os ventiladores de teto ligados.
Clarinha, aluna modelo, ditava o ritmo da aula e da maior parte dos alunos, exceto da turma do fundão, liderada pelo Arthur, sempre impertinente e desinteressado, apesar do esforço constante dos professores, em geral, entre os quais se incluía o Chico, para fazer com que todos participassem ativamente das aulas.
A semana de provas estava próxima e, por isso, até mesmo os mais displicentes, como Arthur, Marina, Bruno e Cíntia pareciam mais atentos a aula que apenas começara. Estes alunos, apesar de trabalhosos, não preocupavam tanto o professor de português, na sala ele convivia com uma menina que para ele era um dilema, a Tatiana.
A Tati tinha comportamento exemplar, sentava-se no meio da sala, conversava pouco, contava alguns fiéis amigos, tinha bom relacionamento com os pais, fazia as tarefas e trabalhos de forma regular, dentro dos prazos estipulados pelos mestres, mas, apesar disso, seu rendimento nas avaliações era pífio. Suas notas estavam sempre abaixo da média. Até a Cíntia conseguia notas melhores e ela nem prestava atenção direito nas aulas, exceto em geografia, por conta do professor Thiago, que por ser muito bonito, deixava todas as alunas ligadas em suas explicações.
Chico tentava entender a situação de Tati e pouco conseguira desde o início do ano passado, quando a conhecera. A menina passou de ano na recuperação em português, matemática e história e, para isso, o conselho de classe foi decisivo, analisando o todo de sua atuação e destacando que ele era frequente, participativa, fazia seus deveres…
Encaminhou a menina para apoio da orientadora educacional, a experiente Cláudia, que apesar de todo o seu conhecimento, pouco evoluiu em relação ao caso, mesmo tendo conversado com Tati e com seus pais, sua avaliação final foi a de que Tati era, provavelmente mais lenta no seu processo de aprendizagem. Nenhuma deficiência como dislexia, foi percebida nos testes aplicados. Não foi constatado nenhum problema familiar ou dificuldade de relacionamento.
Ainda assim e, mesmo contando com a paciência e apoio de seus professores, a menina continuava tendo resultados ruins. Todos os professores, até a severa Nádia, professora de Ciências, reconheciam que Tati tinha bom potencial, mas que, apesar disso, ela não chegava lá… alguns pouco ou nada se preocupavam, achando que era desatenção mesmo, que ela vivia no mundo da lua, apesar se aparentemente estar atenta as explicações…
Foi, porém, no dia em que chegou do oftalmologista que o professor Chico parou e pensou na possibilidade de que Tati pudesse ter, também, problemas para enxergar…
Será que ela era míope?
Talvez tivesse hipermetropia?
Poderia até ser um caso de astigmatismo…
Enxergando mal de perto ou de longe ela teria dificuldades com o que era passado na lousa ou que estivesse escrito nos livros didáticos.
Foi então que ele chamou a Tati e depois pediu a orientação educacional que entrasse em contato com a família para encaminhar a menina para uma consulta com um especialista. Para a surpresa de todos na escola, Tati, que tinha belos olhos verdes, já tinha óculos e precisava muito deles, tanto para perto quanto para longe…
Por motivos estéticos, sempre que ia para a escola, ela guardava seus óculos na mochila antes de entrar na escola. Ninguém sabia, nem mesmo seus melhores amigos, que ela precisava deste recurso. Como era muito nova, apesar de seus apelos, a família não queria investir em lentes de contato. Ela era, portanto, míope e sofria de hipermetropia…
Na semana seguinte, quando as aulas começaram na segunda-feira, coincidentemente com uma aula de português do professor Chico, para a surpresa de todos, Tati entrou na sala e estava de óculos. Envergonhada, a menina parecia querer se esconder… A reação dos colegas, no entanto, a deixou aliviada, pois todos elogiaram o modelo de armação escolhido por ela, disseram que ela ficou muito bem de óculos, com um ar de intelectual, sem perder a beleza natural e o realce do verde de seus olhos…
Ao final do bimestre o rendimento escolar de Tati teve melhora considerável. Suas notas subiram para o patamar da média, num primeiro momento para, no segundo semestre, se fixarem entre as melhores da turma. Chico ficou muito orgulhoso da menina e, mais satisfeito ainda porque ela se tornou uma das mais frequentes leitoras do grupo, sempre com um livro embaixo do braço, o que fez com que ela se tornasse a melhor aluna em língua portuguesa.
Obs. A escola e os professores, por vezes, tem que ir além dos saberes trabalhados em suas áreas do conhecimento, superando a miopia imediata, para olhar com mais atenção para seus alunos, descobrindo situações ou casos como o de Tati e ajudar-lhes ainda mais em seus estudos e na vida!