Tantas são as vezes que nos vemos diante da TV ou mesmo em estádios e ginásios a acompanhar eventos esportivos envolvendo equipes esportivas e esquadrões que representam países, a torcer com paixão e ênfase pelo êxito de times e atletas que de alguma forma parecem representar nossas cores, bandeiras e nacionalidades.
Quem nunca se envolveu com algum tipo de esporte e, movido por sentimento intenso, inexplicável, se viu a gritar, pular, vibrar, lamentar resultados destes esportistas, individualmente ou em equipes.
Para quem praticou esporte competitivo, como foi o meu caso, na adolescência, a intensidade dos treinos, a adrenalina das competições, os adversários que sabíamos que iriam nos dar trabalho e lutar por um lugar no pódio ali próximos e todo o ritual das disputas e eventos a nos mobilizar.
Fantástico, o esporte, seja ele qual for, é uma prática mais do que recomendada tanto para a saúde física quanto psicológica e mental dos envolvidos.
Para mim foi a natação, que até hoje me mobiliza a assistir alguns eventos na televisão e acompanhar resultados de atletas brasileiros destacados ou de grandes nomes da modalidade, independentemente de sua nacionalidade.
No ciclismo, por exemplo, não há ninguém que recentemente desconheça o nome de Lance Armstrong, venerado até poucos anos atrás pelos fãs de todo o mundo como um dos maiores nomes deste esporte em todos os tempos, talvez mesmo, a maior celebridade em duas rodas no que tange a esporte de competição de alto nível.
Armstrong, no entanto, conforme denúncias e posterior confissão do próprio ciclista, conseguiu todas as suas conquistas graças a um engenhoso esquema de doping, praticamente perfeito, que fez com que, apesar de selecionado várias vezes para os exames oficiais, das grandes provas que participava, passou ileso e não seria pego não fossem relatos de outros atletas da modalidade que igualmente haviam participado do esquema.
“Ícaro”, documentário premiado com o Oscar em 2018, dirigido por Brian Fogel, traz à tona um esquema de dopagem ainda maior, de impacto internacional, envolvendo uma das mais prestigiadas e premiadas equipes esportivas nacionais do mundo, os atletas da Rússia.
O interessante em relação a narrativa trazida no documentário por Fogel é que tudo começou com uma tentativa de um atleta amador, que participava de competições regionais, querendo melhorar seu desempenho, resolve filmar sua ação de uso de esteróides anabolizantes, ao longo de meses, para atingir resultados expressivos nas disputas em que iria se envolver numa próxima temporada.
O que se vê é que as “bombas” fazem com que ele, em período de tempo contabilizado no calendário, ou seja, literalmente cronometrado, aumente a massa muscular de forma expressiva, melhore rendimento em treinos, diminua marcas obtidas anteriormente com ganhos notáveis e, desta forma, se habilite a se tornar um vencedor em provas futuras.
Para fazer isso e não ser pego em exames antidoping, o documentarista/atleta, busca apoio de expoentes que estudam o uso de anabolizantes visando a prevenção desta prática no esporte e, nos Estados Unidos, não consegue apoio para tal ação, sendo direcionado a buscar na Rússia, juntamente a um dos nomes mais fortes da equipe antidopagem daquele país, as informações e até mesmo as drogas que iriam colocá-lo nesta situação.
Quem deveria prevenir o doping no esporte sabe, portanto, como esta prática vil e desleal pode se concretizar. Deveriam ser, portanto, pessoas que agissem em prol da licitude no esporte, em especial nas disputas olímpicas, cujos recursos destinados a este controle são cada vez mais modernos e de alto custo.
Driblar estes laboratórios superespecializados oferecidos pelo Comitê Olímpico Internacional, o COI, se tornaria a cada ano e nova competição, mais e mais difícil, não fosse o fato de que gente de dentro do próprio grupo que age contra o doping estaria agindo tanto em prol desta iniciativa quanto contra ela.
O escândalo é de tamanha proporção que fez com que atletas russos fossem impedidos de participar dos Jogos Olímpicos realizados no Rio de Janeiro, em 2016 e, ainda, que medalhas conferidas a atletas desta nacionalidade, obtidas nas disputas de inverno fossem cassadas, com a alteração dos resultados finais das provas em que estiveram envolvidos, tendo em vista a desclassificação de competidores russos.
“Ícaro” é uma peça documental que coloca o dedo na ferida do esporte de alto nível e comprova que os princípios defendidos pelo Barão de Coubertin, criador das Olimpíadas modernas, entre o final do século XIX e início do XX, foram jogados no lixo por atletas, treinadores, equipes e países envolvidos neste e em outros esquemas de doping.
Para Refletir
1- Vencer a qualquer custo, esta é mensagem percebida na ação de esportistas, treinadores e dirigentes de equipes que admitem e praticam o doping e enganam todo o sistema para que os resultados obtidos por estes atletas “bombados” sejam ratificados. De que adianta ganhar medalhas se a competição é desleal, se temos de um lado alguém que literalmente foi “turbinado” de modo ilegal competindo com alguém que, por sua vez, agiu de forma lícita e respeitou as regras do jogo? Que tal propor aos alunos uma cronologia do doping no esporte e, ao mesmo tempo, buscar informações sobre como esta disputa inglória, envolvendo quem combate esta prática e quem a realiza, está acontecendo no mundo hoje?
2- Os vencedores, no alto do pódio, cientes de seus golpes sujos, que preços pagam por usar anabolizantes em seus corpos? Quais são as repercussões biológicas da injeção destas drogas no organismo humano? Um ótimo tema para quem estuda ciências e biologia, não é mesmo?
3- Como fazer com que a ética prevaleça no esporte, de modo a evitar deslealdades e ilegalidades como o doping? Já pensou nisso. Seria interessante trazer médicos, esportistas, biólogos, filósofos, sociólogos, psicólogos, historiadores e autoridades para discutir a questão com os alunos, ampliando do campo esportivo para outras áreas, como a política e a economia, por exemplo.
Veja o trailer do filme:
Ficha técnica
- Título: Ícaro
- Título Original: Icarus
- País/Ano: EUA, 2017
- Duração: 110 minutos
- Gênero: Documentário
- Direção: Bryan Fogel
- Roteiro: Bryan Fogel, Mark Monroe.
- Elenco: Bryan Fogel, Grigory Rodchenkov, Vladimir Putin.