Capa do livro O poder dos quietos

Prefere ler um livro, assistir um filme ou se reunir com alguns poucos e bons amigos ao invés de estar numa grande festa ou evento? É por vezes chamado de tímido e introvertido? Isso, de algum modo, já lhe fez passar por algum questionamento ou provocação para que se fizesse mais presente, participativo e falante?

Na escola, por exemplo, aquele aluno mais calado, ainda que tenha bom rendimento, entregue trabalhos e tarefas em dia e participe de projetos em grupo, ocasiona sempre algum tipo de preocupação por parte de professores, gestores e da própria família. Nas empresas, pode até ser encarado como alguém sem potencial ou força para agregar e ajudar o empreendimento a crescer, nada mais errado do que pensar assim…

Acreditam que ser tímido e introvertido é algo que certamente irá atrapalhar seu futuro. É preciso se comunicar, aparecer, se destacar no meio da multidão, num mundo em que a competição se torna cada vez mais acirrada por uma boa oportunidade, quem é apagado e insosso se afasta dos holofotes e certamente irá pagar um alto preço por isso, pensam muitos.

Susan Cain, escritora e pesquisadora, debruçou-se sobre o tema e resolveu entender melhor o universo das pessoas quietas. De sua própria experiência pessoal partiu para um exame mais amplo, buscando dados, histórias e informações que a ajudassem a desvendar aquelas pessoas que preferem ficar na sua, de canto, sem chamar muito a atenção…

Deste seu trabalho e levantamento surgiu o livro “O poder dos quietos: como os tímidos e introvertidos podem mudar um mundo que não para de falar”, publicado no Brasil pela editora HaperCollins. A obra acabou por se tornar um best-seller mundial, sendo traduzido para muitas línguas e levando a introvertida Susan a enfrentar o medo do palco e se tornar palestrante, inclusive com participação visualizada por milhões de pessoas no TED.

Ao resgatar histórias como a de Rosa Parks, uma mulher negra de meia-idade, que em 1955, ao se negar a ceder seu lugar no ônibus, no setor destinado aos negros, para um passageiro branco, em Montgomery, no Alabama, em meio a um cenário de preconceito explícito dominante na região sul dos EUA, esta mulher tímida e discreta, mas firme e segura, convicta quanto aos seus pensamentos e posicionamentos, deu importante passo para que a luta pelos direitos civis fosse bem sucedida em seu país, com mundo afora.

 

Figura 1: Rosa Parks

 

“Sempre imaginei Rosa Parks como uma mulher imponente, com um temperamento ousado, alguém que pudesse se impor ante um ônibus cheio de passageiros mal-encarados. Mas quando ela morreu, em 2005, aos 92 anos, a enxurrada de obituários apresentavam-na como alguém de fala mansa, doce e de baixa estatura. Eles diziam que ela era ‘tímida e reservada’, mas tinha a ‘coragem de uma leoa’. Estavam cheios de frases como ‘humildade radical’ e ‘bravura quieta’. O que significa ser quieto e ter bravura?, estas descrições questionavam implicitamente. Como você pode ser tímido e corajoso?” (trecho do livro)

Poderia se imaginar que uma pessoa quieta, num momento como esse, preferisse manter-se no anonimato e que, diante das circunstâncias, simplesmente abrisse mão do lugar que ocupava para não chamar a atenção. E que, por outro lado, alguém de perfil comunicativo, viesse a se posicionar de modo contundente, abrindo espaço para uma revolta naquele ônibus. Pois é justamente o caráter tranquilo de Rosa Parks que fez com que sua postura se destacasse ainda mais. Talvez alguém de quem se esperasse maior intempestividade e eloquência não tivesse a mesma repercussão. Aquela mulher simples, com pouco mais de 40 anos, que sempre circulava naquele ônibus, já conhecida, apesar de sua evidente discrição e silencio, com um simples “não”, foi contundente e envolveu os demais presentes, transformando, de súbito, aquela situação num ato de rebeldia contra evidente atitude e postura de intolerância, racismo e preconceito.

Susan Cain traz, em seu livro, histórias como a de Rosa Parks, para explicar que o mundo nem sempre foi tão afeito a autopublicidade, a uma necessidade constante de se expor e de ter que falar para se mostrar vivo e presente, como imaginamos. Até o século XIX, já praticamente virando para o XX, a humanidade valorizava a discrição, para homens e mulheres, num contexto basicamente rural, em transição para um universo industrial e urbano, no qual as pessoas viviam em comunidades pequenas, abastecendo-se e trabalhando localmente.

É justamente a transformação trazida pelo advento do industrialismo, no qual o espaço de vivência dos seres humanos se amplia e faz com que as relações interpessoais percam aquele caráter de maior proximidade, típico de pequenas vilas e cidades, nas quais todos se conheciam, por um mundo em que ninguém mais se conhece e no qual é preciso, literalmente, “marcar terreno”, dizer quem é e porque está aqui presente, a ocupar tais espaços…

É nesse ínterim que, Susan destaca a trajetória de um dos escritores mais lidos da atualidade que entendeu este novo contexto, criou cursos para orientar as pessoas a falar em público e produziu livros que desde os anos 1910 e 1920 seguem entre os mais lidos em inúmeros países, Andrew Carnegie, autor de best-sellers como seu primeiro livro “Como falar em público e influenciar pessoas no mundo dos negócios”.

 

“A nova economia pede um novo tipo de homem – um vendedor, um operador social, alguém de sorriso fácil, um aperto de mão imponente e a capacidade de se dar bem com os colegas ao mesmo tempo em que os eclipsa. (…) O sobrenome de Dale é Carnegie. Após alguns duros anos vendendo carne para  a Armour and Company, ele passa a dar aulas de como falar em público…” (Trecho do livro)

O livro “O poder dos quietos”, no entanto, vai além ao deixar claro que a questão não se resume a pensarmos o mundo a partir da dicotomia entre quietos e falantes, introvertidos e extrovertidos, mas, de pensarmos os contextos de forma a valorizar e integrar a todos, tentando usufruir das melhores habilidades e competências tanto daqueles que preferem agir de forma mais ruidosa quanto dos que preferem trabalhar mais silenciosamente. É a diversidade, mais uma vez, que constitui a grande riqueza.

Susan Cain também busca esclarecer a diferença entre extroversão e introversão, algo em pauta desde os trabalhos do grande psicólogo Carl Jung, em sua obra “Tipos psicológicos”.  Destaca a necessidade dos extrovertidos “recarregarem suas baterias” interagindo com outras pessoas, no meio de movimento, público e agitação. Os introvertidos, por sua vez, tendem a preferir ambientes mais calmos, com menor interação social, em contextos mais íntimos, próximos a pessoas de sua confiança e amizade.

Outra diferença percebida entre estes dois tipos de pessoas é que os introvertidos tendem a trabalhar de forma mais lenta e ponderada enquanto os extrovertidos são mais rápidos em suas decisões e ações. São estilos e propostas que não são excludentes e que podem ser complementares e que denotam diferentes modelos de comportamento que respondem melhor ou pior diante dos desafios que a vida impõem a todos e a cada um de nós.

 

Figura 2: Susan Cain, autora do livro “O poder dos quietos”.

“Extrovertidos pensam em voz alta e rapidamente; preferem falar a escutar, raramente se encontram sem palavras e ocasionalmente vomitam palavras que nunca quiseram dizer. Sentem-se confortáveis em conflitos, mas não com a solidão. Os introvertidos, por outro lado, podem ter várias habilidades sociais e gostar de festas e reuniões de negócios, mas depois de um tempo desejam estar em casa de pijamas(…) Ouvem mais do que falam e muitas vezes sentem que se exprimem melhor escrevendo do que falando. Tendem a não gostar de conflitos. Muitos têm horror a jogar conversa fora, mas gostam de discussões profundas” (Trecho do livro)

No livro também se esclarece que há diferença entre introversão e timidez. É preciso que se saiba que nem todo introvertido é tímido, por isso, Susan Cain destaca que “timidez é o medo da desaprovação social e da humilhação, enquanto a introversão é a preferência por ambientes que não sejam estimulantes demais. A timidez é inerentemente dolorosa; a introversão, não”.

Num mundo em que falar muito, alto, bradando e tentando vender algo o tempo todo parece ser algo essencial, o livro de Susan Cain nos coloca em contato com as pessoas caladas, porém altivas, que em silêncio, realizam suas obras sem a necessidade de alarde, holofotes e palmas o tempo todo. Um livro para ser lido e que pode ajudar muito a todos, na vida e nas escolas, palavras de alguém que é, reconhecidamente, introvertido!

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