Constituir-se em um mundo letrado é reinventar-se sobre tudo no modo de significar e entre (ler) o mundo das palavras e das letras.
Tal reflexão se torna mais latente diante de uma data tão vívida e urgente como o dia nacional da alfabetização (14 de novembro). Como ficar imune a uma data tão cheia de significados, conquistas e projeções.
Projeções que formam nossa prática pedagógica, nossa formação crítica e reflexão diária sobre nossa práxis cotidiana.
Realizar uma leitura de tudo o que significa o dia nacional da alfabetização requer uma leitura minuciosa e calma do nosso fazer alfabetizador. Das nossas lembranças e memórias forjadas com lutas, avanços e retrocessos. Para depois conseguir imergir no texto e contexto do diálogo, da interação e inferência coletiva.
O que nos torna capazes de sair do raso, de uma discussão vazia e de mergulhar, elaborar e intervir em práticas cheias de sentidos e significados.
Sabemos que pensar práticas efetivas e eficazes de alfabetização requer percorrer um caminho em que se constitui com o outro, onde ensinar e aprender se faz preponderante na ação e construção da práxis educativa, em um caminho de idas e voltas, que vão compondo e escrevendo uma história alfabetizadora, até formar uma paisagem completa, que serve ao outro para servir a nós mesmo.
O que importa é levar o aluno a descobrir a palavra mundo, para através do mundo descobrir o sentido das palavras. E não reduzir o que é vivido a decodificação de letras e sons. O importante é aprender a ler o que é vivido no mundo real. Como diz Paulo Freire, “somos uma inteireza” de significações e vivências que nos constituem como um todo, com saberes que não são nem maiores e nem menores, apenas diferentes, em um permanente processo de busca do conhecimento, da transformação e construção viva e fulgente.
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O significado de ser alfabetizador
Enquanto educadores somos ávidos da primícia de ensinar e aprender, do desejo de superar limites e desafios.
Construindo em uma relação dialógica e crítica práticas dotadas de conhecimentos, reconhecimentos de saberes e aceitação ao diferente, não com indiferença, pois nunca aprendemos na indiferença. Mas na afetividade e efetividade do outro para si próprio.
Um caminho que se faz nas escolhas que vão sendo construídas e desconstruídas durante o percurso. Em um movimento onde o ensino abre espaço para o aprendizado, onde muitas vezes o que se coloca como fim, pode ser apenas o começo. Onde o decodificar o código linguístico não pode sobrepor o decodificar o mundo.
Assim, é no nosso olhar alfabetizador que a construção da práxis se faz por meio do outro e para outro efetivando o profissional que somos para nós mesmos.
Nessa perspectiva ser alfabetizador é muito mais do que ensinar a ler e escrever, é mostrar através da língua e da linguagem do outro aquilo que traz despertamento e confiança.
É criar sentido, não apenas por colocar uma letra, mas pelo significado da leitura feita através das relações e contextos. Sabendo sempre que trabalhar com a referência do outro é uma questão de estratégia humana.
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A prática da alfabetização
Uma das grandes angústias que permeia a prática alfabetizadora é saber o caminho que se deve trilhar. Mas alfabetização não é um trem que se segue em trilhos, alfabetização é como água corrente que traça seu caminho entre pedras, curvas e nascentes. Traçando caminhos de liberdades e esperança.
Mesmo entendendo tudo isso, é preciso deixar claro que mesmo que não exista um caminho único e engessado, existem pressupostos básicos para uma prática alfabetizadora dialógica e substancial. Essas práticas perpassam por um trabalho que exige contexto, diálogo e interação.
Trata-se de enxergar cada individuo como único, não tendo espaço para uma única forma de interação em sala de aula, mas várias formas de interagir e para sujeitos únicos e pensantes.
Ter sempre em mente que o nosso discurso para diversidade deve estar em consonância com uma prática diversificada. O nó górdio da alfabetização repousa no fato de que muitas vezes nós seres humanos discursamos sobre a inclusão de uma diversidade incomparavelmente mais avançada que nossa maturidade política e humana.
Discursamos sobre o diferente e mantemos muitas vezes uma imposição intolerante e única disfarçada em roupagens de impossibilidades. Quando na realidade uma prática dialógica exige de nós um trabalho pautado no texto, tendo sua gênese na oralidade.
Com o intuito de permitir que os alunos não apenas se apropriem das relações entre fonemas e grafemas, mas dos seus sentidos. Partindo de algo preponderante que é a significação do uso-reflexão-uso. É preciso que o trabalho possibilite que os educandos sejam autores de seu próprio processo de aprendizagem, os tornando autores de suas histórias e de seus textos.
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A autoria infantil junto a alfabetização
A autoria infantil não pode mais ocupar o papel de impossibilidade em sala de aula. Entendemos ser algo complexo pensar em uma proposta de autoria, quando na verdade desde cedo somos acostumados apenas a ouvir a história dos outros, a nos silenciar diante de algo que sempre parece mais importante do que o que temos para dizer. E, em que, tudo em volta, parece contribuir para que os textos sejam usados apenas como “pretexto” de tirar palavras chaves para alfabetizar. Mas isso é resumido demais para seres tão plurais e de realidade tão diversas.
Seguindo esse pensamento, devemos usar “textos autênticos”, desses que lemos e produzimos no nosso dia-a-dia. Mas só apresentar, comparar com outros textos, não é o suficiente para que eles se tornem autores e produtores de texto. Tornando-se necessário que as crianças desenvolvam a capacidade de interpretar e produzir adequadamente textos falados. Porque é através da necessidade de comunicação que um texto cria sentido para existir.
A interpretação dos textos trabalhados em salas de aula deve ser feita no primeiro momento oralmente, buscando sempre o entendimento do texto, sua finalidade, suas explicitudes, inferências e implicitudes para depois passar para as atividades em grupo ou individuais.
O trabalho pode se dar entre atividades de apropriação do sistema de escrita alfabético através do texto, mas sem perder sua amplitude e riqueza, conciliando com as atividades de leitura e produção de textos.
Não perdendo de vista que da mesma forma, que prezamos pela fala e pela leitura, também há o espaço de produções de textos. Assim, entendemos o que Paulo Freire quer dizer com, “só se ensina ler lendo e só se ensina escrever escrevendo”, mas não os textos dos outros, os seus!
Os nossos, com a nossa voz e a nossa história, porque só assim, tomaremos a rédeas do que precisa ser democrático. A educação como direito de todos, é feita por todos!
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