O Mundo das Ideias e o Mundo dos Sentidos
Várias ideias de Platão continuam muito vivas e atuais. Destacaria, por exemplo, os conceitos relativos ao Mundo das Ideias e Mundo dos Sentidos, ou seja, em relação ao que é abstrato, relacionado a interpretação e leitura de mundo que realizamos, as projeções que fazemos em relação a tudo e a todos, por um lado, e o que é concreto, real, existente e sensível ao homem por seu contato direto. Num mundo como o atual, em que as tecnologias de informação e comunicação expandem fortemente a relação com as telas e a digitalização ou virtualização da vida, percebemos nossa inserção cada vez maior neste universo não existente em termos reais, apenas visuais, auditivos, criados por programadores, que desenham e estruturam a forma como pensamos, agimos, interagimos, sonhamos… Enquanto isso, no mundo exterior, as relações se modificam, se alteram, num caminho que precisa ser repensado, diante dos problemas de socialização, de realização humana, de presença física (ou ausência dela), da falta de tempo (ou desperdício do mesmo) fora das telas e do universo virtual… Tudo remonta a clássica Alegoria da Caverna às avessas, como se estivéssemos entrando nela a partir do ingresso aparentemente espontâneo na rede mundial de computadores, atraídos por um “flautista de Hamelin” virtual que se apresenta por meio das redes sociais, dos sites, do trabalho online…
Há, ainda, as prementes teses políticas de Platão, relacionadas, por exemplo, a ideia de que a sociedade deveria ser gerida pelos filósofos e que há papéis pré-estabelecidos para os demais agentes sociais, cabendo a alguns o trabalho produtivo, a outros o controle social por meio da força/coerção, a outros a religiosidade. Vivemos num mundo que, a despeito de todas a evolução tecnológica aparente, anda muitas vezes na contramão dos princípios democráticos e advoga, em alguns casos e contextos, que parecem se ampliar, maior domínio de alguns (teoricamente mais aptos) sobre os demais e tentam, a todo momento, afirmar esta tese. Apesar da aparente democracia, o controle da mídia, tem permitido a grupos de interesse, conservadores, fazer valer sua voz e seus desejos, apoiando grupamentos políticos conservadores, autoritários e, em alguns casos, antidemocráticos e reacionários. As ideias platônicas de governo nas mãos dos filósofos, ou seja, de uma camada culta e capaz de pensar de forma aberta, propondo e trabalhando em prol da coletividade, abrindo mão de qualquer tipo de benefício para si ou para próximos, não é utópica, no entanto, culturalmente muito distante neste mundo em que grassa a corrupção, além de ser, evidentemente, excludente, não oferecendo meios e possibilidades para que todos possam, efetivamente, participar da vida pública, independentemente de qualquer quesito, como a formação intelectual, por exemplo, defendida pelo grande pensador grego.
Diálogo
Platão contribuiu de forma significativa para o pensamento humano ao elaborar obras em que discutiu temas de importância por meio de diálogos, o que, por si só já é um importante legado pois celebra a necessidade da troca, da interação, da comunicação e do embate inteligente de ideias. Seu conceito relativo ao mundo das ideias e dos sentidos abre espaço para que pensemos a respeito da abstração e do mundo real, das relações entre ambos, da projeção e dos sonhos, por um lado, e da capacidade de tornar isso real, ou ao menos, de aproximar da vida cotidiana. A alegoria ou metáfora da caverna, por sua vez, propõe que pensemos nossa autonomia num mundo em que se utilizam meios para que não sejamos verdadeiramente independentes, apesar de pensarmos que somos. Parece complicado, mas não é, pois trabalha essencialmente princípios relativos a alienação humana. Politicamente sua contribuição, criada durante a vigência da democracia ateniense, demonstra sua crença na sabedoria, na inteligência e na virtude humanas como condutoras, por meio dos filósofos, do destino da humanidade, ao liderar o processo. Peca neste ponto pois idealiza os filósofos, pensando os mesmos como verdadeiros super-homens, virtuosos ao extremo, sem vícios e erros, dotados de qualidades e poucos ou nenhum defeito. Homens são homens e, em assim sendo, trazem em seu cerne o bem e o mal, o vício e a virtude, com tênues linhas a separá-los… ainda assim, preconizou o diálogo, a ciência, a participação na vida pública, os estudos (com a fundação de sua própria escola, a Academia). Um gigante, sem qualquer dúvida, do pensamento humano.
A Dialética Platônica
Como discípulo de Sócrates, Platão traz em sua prática o exercício do pensamento com profundidade, associado ao questionamento e a ordenação das ideias de forma hierárquica para que, após idas e vindas, analisando parâmetros e ponderações, possa definir posicionamentos e pensamentos próprios. Não há verdades definitivas, sempre se abre a possibilidade de questionamentos e revisões. Podem perdurar, eventualmente, algumas ideias e valores, desde que plenamente considerados, a luz da razão, igualmente iluminados pela lógica e coerência. Ainda assim, como tudo no mundo, há espaços para repensar, rever, realocar dados e se reposicionar em relação a qualquer ideia, conceito ou prática. O que se busca, fundamentalmente, com a dialética platônica é a verdade por meio da ciência, da moral e das considerações políticas amplas, de interesse coletivo, superando, com isso, o senso comum, os interesses ou desejos particulares, as opiniões sem embasamento.
Platão e Santo Agostinho
A obra de Platão sofreu uma releitura e adequação a outro contexto quando Santo Agostinho, na transição da Antiguidade Clássica para a Idade Média em seus primórdios, visando adequar os conceitos platônicos aos preceitos cristãos católicos, traduziu o mundo das ideias e o mundo dos sentidos do filósofo grego, em Cidade de Deus e Cidade dos Homens, consolidando ideias relativas a virtude e pecado, culpa e castigo, punição e penitência, tão próprios da cultura religiosa a partir de então. Neste interim a alma é a representação do patamar pós vida, espiritual, em que todos embarcariam rumo a um universo alternativo, descrito como o Céu ou o Inferno, com passagens para alguns pelo purgatório (talvez aqui mesmo na Terra, segundo alguns pensadores). O céu, na concepção divina, é justamente o que se considera ideal, pleno, sem vícios, corrupção ou pecado, passível somente para as almas puras que tiveram existências pias, de bondade, caridade, doação e virtudes se sobrepondo ao mal do demônio, a desvirtuar e encaminhar para as trevas e para o sofrimento as almas dos malditos, pecadores e sacrílegos, condenados a danação…