A lei 10.639 sancionada, no Brasil, em janeiro de 2003, tornou obrigatório no ensino fundamental e médio o estudo da história e cultura afro-brasileira.
Ficou estabelecido que os alunos devem aprender sobre a história da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra e o papel do negro na formação da sociedade nacional, ou seja, valorizar a identidade e a trajetória dos diferentes povos que formam o país.
A lei 11.645, de março de 2008, acrescentou à legislação a obrigatoriedade do ensino da cultura e história indígenas. Ambas as leis alteraram a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que regulamenta o sistema educacional público ou privado do Brasil da educação básica ao ensino superior.
O mês de novembro é marcado pela celebração do Dia Nacional da Consciência Negra, que acontece no dia 20. O momento em que a sociedade é convidada a refletir sobre o racismo estrutural ainda tão presente em nosso país, e a necessidade de ações afirmativas para a população negra.
Os pontos cruciais para nortear a Educação Antirracista
A consciência de que vivemos em um país racista e de que ao longo dos anos as pessoas foram e são classificadas, são subalternizadas, são mortas, a partir da raça. Vejam quantos jovens negros morrem ou são perseguidos pelo simples fato de serem negros.
É crucial é uma decisão ética-política-estética de todo educador/ toda educadora visando analisar o racismo e a discriminação racial, vez que manifesta violação dos Direitos Humanos e da Cultura de Paz operando na educação, no cotidiano escolar, nos livros didáticos/paradidáticos, na formação docente e nos critérios de avaliação.
Precisamos ter a consciência de que todos nós enquanto professores e professoras de todas as disciplinas somos responsáveis por estas discussões no cotidiano escolar, precisamos fazer da educação antirracista uma luta, uma prática diária.
A cada aula, a cada momento precisamos colocar as diferenças raciais em questão. Planejar como a comunidade escolar pode fomentar estratégias para reeducação para além dos estreoótipos em torno da contribuição do negro apenas no samba, carnaval, futebol, capoeira, sincretismo, ocupando um lugar subarterno no contrato racial que reserva o poder de mando para a branquitude.
Importante também a mudança no ferramental epistemológico que favoreceu selecionar uma forma de conhecimento e de escolha de critérios científicos como sendo um atributo da dominação política e cultural dos europeus, norte americanos brancos e de um segmento étnico minoritário no Brasil que construiu uma sociedade profundamente desigual como a brasileira.
Esta minoria, aliás, em geral, desqualifica a busca de uma educação que possibilite a busca de identidade étnica, que opera com um poder contínuo de criação com outros movimentos sociais (feministas, anti-homofóbicos, entre outros).
É necessário permear a prática educacional do sentido da Declaração e o Programa da Ação de Durban (dotada em 8 de setembro de 2001 na África do Sul), que afirma ser a “diversidade cultural é um valioso elemento para o avanço e bem-estar da humanidade com um todo, e que deve ser valorizada, desfrutada”.
Os caminhos curriculares antirracistas possíveis
A partir da consciência de que a luta é necessária cada professor constrói sua prática, estabelecendo caminhos possíveis para seu desenvolvimento. No entanto, advogo a favor da problematização, do estranhamento do currículo eurocentrado em busco da introdução de conhecimentos outros, de novas perspectivas.
Lembro sempre, acredito que não se trata de construir um novo currículo, uma disciplina específica. Trata-se de interrogar o que está posto, pensar na branquitude, nos seus privilégios e pactos e colocar ao longo das aulas. Empretecer as aulas, mostrar trajetórias de negros e negras, valorizar a representatividade, permitir que alunas e alunos se reconheçam em histórias de vidas outras.
A implementação da Lei 10639/03, que incluiu no currículo oficial das redes de ensino a obrigatoriedade da presença da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Africana”.
Podemos ver alguns trabalhos muito positivos que buscam colocar estas discussões nas escolas. De certa maneira as escolas estão tentando fazer, a questão central é o como estão fazendo, quais caminhos estão seguindo. Neste ano em que celebramos os vinte anos de promulgação da Lei 10639/23 é importante ressaltar a primeira mudança na LDB com o sentido de uma abertura multicultural ético-político-estética para construir o conhecimento da História de África para além da chamada biblioteca colonial. E
ste marco legal que ora celebramos nas proximidades do Dia da Consciência Negra nos levam a questionar os currículos tanto da Educação Básica como da Educação Superior que ainda são opacos as questões de discriminação racial, História da África e “História e Cultura Afro-Brasileira [que]serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras”, segundo o texto legal.
Ressaltando, pois, o aspecto de todo currículo escolar, o espírito da lei ainda precisa ser aplicado a Matemática, Filosofia e outros componentes curriculares nos quais o epistemicídio domina o conhecimento opera para embotar a busca de identidade com a herança africana para além da violência do escravismo e da juventude negra nas periferias.
A promoção de um movimento de educação antirracista
Cada escola é uma escola, cada comunidade é única. Porém existe a necessidade de historicizar o processo de construção racial no Brasil, para que nossos alunos e alunas possam entender como o discurso racista é perverso e sofisticado, como ele modifica e se justifica a cada momento.
Defendo que a escola faça dois movimentos paralelamente: que problematize o conhecimento que está posto e traga novos conhecimentos, novas histórias e sujeitos para as salas de aula.
Promover o movimento de educação antirracista é uma tarefa plural em defesa da dignidade como uma decisão ética, que transcende a repetida expressão de “racismo estrutural” que serve como álibi para muitos tanto daqueles implicados em atitudes discriminatórias como os que procuram descreditar, desqualificar o engajamento em torno da Educação Antirracisma como “mimimi” ou falta de compreensão do canone filosófico em torno do humanismo, que alimentou uma visão depreciativa do negro, de África e da Diáspora.
E mesmo os Direitos Humanos, sem direitos civis para os afro-americanos, para a maioria na África do Sul, sob o apartheid, e um estado para os palestinos.
Autores:
João José do Nascimento Souza é Mestre em Filosofia e especialista em Ensino de História da África.
Paulo Melgaço da Silva Junior é Doutor em Educação e exerce o cargo de professor de Arte na Secretaria Municipal de Educação de Duque de Caxias.
São autores do livro “Caminhos Para Uma Educação Antirracista. Teorias e práticas docentes”, publicado pela Wak Editora.