Reflita conosco sobre o impacto das mudanças educacionais nos últimos anos e como podemos trilhar novos caminhos de agora em diante.
Já dizia o poeta maior de nossa língua portuguesa que “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, muda-se o ser, muda-se a confiança. Tudo muda”.
Não seria diferente na educação, sobretudo em tempos pós-pandêmicos, onde muitos métodos e processos surgiram como experimento, numa tentativa de se conseguir ensinar à distância, sem a devida preparação dos docentes.
Não foi por falta de aviso. Vários autores e, sobretudo, as Conferências Temáticas organizadas por Edgar Morin, a pedido do governo francês e publicadas em 1999, alertavam para a necessidade de estarmos preparados para enfrentar o ensino à distância.
Antes dessas conferências, nas décadas de setenta e oitenta, Alvin Tofler insistia na necessidade da observação das infovias, como meios mais eficazes de comunicação.
O impacto da pandemia na educação
Uma primeira consequência dessas ações mal coordenadas e mal administradas pelos gestores da educação foi o surgimento de modo acentuado de, pelo menos, três níveis de alunos dentro da mesma sala de aula, quando retornamos ao regime presencial: alguns que aprenderam muito, outros mais ou menos e um grupo que quase nada assimilou.
Hoje, cada sala de aula, na sua melhor configuração é uma multisseriada, refletindo as escolas de regiões remotas, onde um professor reúne duas ou três séries diferentes, dentro do mesmo espaço, para que as crianças não fiquem fora da escola.
Voltamos a experienciar a escola de aldeia, chamada de primeiras letras, ou pior ainda, no início do século XX, uma escola para “desasnar” crianças.
Este, assim constato em minhas peregrinações pedagógicas pelo Brasil, como a primeira grande mutação que convive com uma segunda, de cunho psicológico, qual seja a instabilidade emocional.
Temos a impressão, dentro das escolas que não nos conhecemos mais. Éramos amigos ou conhecidos, colegas de trabalho por vários anos dentro do mesmo espaço e, agora, nos atritamos com frequência.
Vivemos várias situações de dissonâncias, alunos e até mestres pensando que a terra é plana, que a lei da gravidade não existe e foi um desvairado sonho de Issac Newton.
Retornando ao presencial, muitos alunos não retornaram à escola, como se tivessem esquecido do trajeto entre a própria casa e a sala de aula. De fato, perderam o costume de sair de casa e esqueceram dessa obrigação e, pior ainda, não são instados pelos seus cuidadores a retornar.
Aumentou consideravelmente, no pós pandemia, a home schooling, seja por questões ideológicas ou religiosas. Se é verdade que a educação cristã, nos tempos hebraicos, iniciou-se em casa, passando depois para o templo, também é fato que a escola pública e laica se firmou nas repúblicas democráticas e permitem no seu ambiente o debate sobre todos os tipos de situações sociais e de convivência entre os humanos.
Muitas famílias não aceitam sequer debater questões que ferem seus conceitos religiosos, mantendo-se no âmbito mais fechado e dogmático. Nesses casos, torna-se difícil encontrar uma escola que atenda, em seu projeto político pedagógico, o paradigma em que uma determinada família vive.
As escolas, portanto, vivem situações dramáticas em se tratando de avaliação do rendimento escolar. Não há mais a possibilidade de se fazer um “nivelamento” em se tratando de avaliação.
Como ficam as avaliações e o rendimento escolar pós-pandemia?
O estabelecimento de uma linearidade neste momento, condenaria, sem sombra de dúvidas, os mais pobres, os ribeirinhos, os quilombolas, os descendentes de povos originários à reprovação escolar, geradora de maior desânimo entre os discentes, levando-os a abandonar a escola.
Para compreendermos de modo gráfico esta questão temos de imaginar uma sala de aula hipotética, onde convivem um pássaro, um macaco, um pinguim, um elefante, um peixe, uma foca e um cachorro. Imagine, o leitor, que um mestre solicitasse em nome da igualdade de condições que todos executassem a mesma tarefa: escalar uma frondosa árvore.
Quais as consequências? Se o peixe, a foca, o elefante e o pinguim não solicitassem imediata transferência, estariam irremediavelmente reprovados. Talvez o cachorro, depois de algumas recuperações e dependências, com as patas esfoladas, conseguisse escalar a árvore. O pássaro, em nome do “descritor” apresentado pelo Ministério da Educação, representado pelo verbo “escalar”, receberia zero na avaliação porque voou até o topo da árvore, não a escalando conforme a exigência feita a todos. E, certamente, não haveria professor ou professora com grau de humildade para dispensar o macaco da prova, embora seja conhecimento comum que os macacos são os melhores escaladores de árvores que qualquer outro animal.
Um caminho a ser trilhado
Este momento em que vivemos, exige um esforço de todas as escolas e sistemas escolares para entender a necessidade de se debruçar sobre as diferenças individuais, para conseguir recuperar o que cada um perdeu durante a pandemia de Covid 19.
Não é um momento para esquecer a necessidade da formação continuada dos educadores, no que se refere ao ensino à distância.
Embora o maior perigo tenha sido superado, este tipo de ensino poderá servir para aulas de recuperação. As escolas públicas e particulares precisam continuar a preparação de seus docentes para uma maior familiaridade com a tecnologia, complementando o ensino presencial.
Além disso, um outro momento pandêmico poderá surgir e, não havendo preparação dos docentes para usar com segurança as tecnologias educacionais, os desastres em relação à aprendizagem poderão ser maiores.
Portanto, mãos à obra, dentro de uma perspectiva preventiva, relembrando o antigo ditado: é melhor prevenir que remediar.
Hamilton Werneck. Doutor em Educação, professor, pedagogo, administrador escolar. Entre os livros lançados estão “Professor Agente da Transformação” e “Como encantar alunos da matrícula ao diploma”.